III - Desconcertante

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Capítulo III - Desconcertante

Sabe aquela sensação anterior ao despertar, quando apenas se ouve algumas vozes ou sente a brisa fria em seu rosto? Era o que eu estava sentindo. Lentamente minhas pálpebras foram se levantando, enquanto meus olhos cansados tentavam focar em algo. Tudo estava embaçado, e aos poucos eu retomava a consciência.

Dei um leve bocejo, e ao tentar levar uma das mãos até a nuca, só pelo costume de fazer isso sempre, reparei que eu não estava só. Virei o corpo para o lado oposto ao qual eu estava, e tive que cobrir a boca com a mão para não expressar de forma barulhenta minha surpresa.

Por um nano-segundo pensei besteira. Ao tentar recobrar minhas memórias, imaginei por um momento que o homem a minha frente, com o qual que eu estava dormido, era um cara aleatório. Entretanto, era apenas o Liam, que ainda vestia as mesmas roupas, e dormia como uma criança após aprontar o dia inteiro.

Ainda estava bem escuro. Deslizei os olhos pelo ambiente, e notei que estávamos na sala, deitados no sofá, que por conveniência era um daqueles que podiam ser transformados em cama. Sob nossas cabeças um único travesseiro, e sobre nossos corpos, na verdade só sobre o dele, um fino lençol.

Tentei decifrar as horas no relógio pendurado na parede, e vi que era já de madrugada.

Fiz o máximo para não acordar o rapaz que dormia com os lábios ligeiramente abertos, e fui até a cozinha nas pontas dos pés para tomar um gole d'água. Era tão bom não sentir a cabeça girar tanto, eu sempre me sentia bem melhor ao terminar de... vomitar.

"Merda!!" pensei.

Fui cuidadosamente até a varanda ver se tinha feito algum estrago, mas quando cheguei lá, tudo estava limpo. Me senti extremamente culpado ao saber que tive que fazer alguém limpar as minhas idiotices. Bom, a Gigi jamais faria isso, ela me deixaria provavelmente dormir sobre o vômito (eca!) e no dia seguinte eu iria amanhecer com um rodo, um pano de chão e um balde ao meu lado. O Niall era um homem ocupado, que já até tinha ido embora sem eu poder me despedir.

Nesse momento, me senti mais culpado ainda por ter quase certeza que o Liam que tinha arrumado as coisas por mim. Um cara que tinha acabado de conhecer... eu só torcia, do fundo do meu coração, para que eu não o tivesse sujado também. Pelo menos isso!

Vi na mesa de centro, no meio de inúmeras latinhas de cerveja, minha certeira de cigarro. Havia esquecido dela, já que a Gigi e o Niall não fumavam, não o fazia quando estávamos a sós. Quando Liam me ofereceu o Marlboro, não me toquei, talvez pelo efeito da bebida, mas faziam muitos anos que eu estava acostumado a cigarros mentolados, desses da metade do preço de um do que nós fumamos mais cedo. Fumar um cigarro diferente, e relativamente mais caro, ao lado de um recém não-tão-desconhecido foi... diferente.

Então, quando retornei à varanda, sozinho, e fumei do meu cigarro, não parecia estar tão saboroso quanto antes. Era até como se eu nem estivesse acostumado mais. Que estanho. Todavia, haviam muitos na carteira, e eu não estava mais com sono. Nem queria acordar ninguém, então pretendia ficar divagando o resto da noite em meu âmago. Bem, eu pretendia.

Após três ou quatro, ouvi um murmúrio. Joguei pela janela um já no final, e voltei a sala para ver se era de lá que vinha o barulho.

Fiquei um pouco preocupado, temeroso talvez, contudo, era apenas o homem de cabelo bagunçado no sofá-cama que falava enquanto dormia.

Cautelosamente sentei-me ao seu lado, e fiquei o observando dormir. Calmamente, seu peito subia e descia enquanto respirava, e a serenidade em seu rosto era hipnotizante. Ele era bonito, mesmo na penumbra, eu podia enxergar isso. Queria poder tocar seu cabelo, sentir a textura e meus dedos por entre os fios, mas eu não faria isso, e não fiz. Mas mesmo assim, ergui minha mão e fiz menção de fazê-lo. Eu gostava de me torturar.

E, quando imperava o mais quieto silêncio, um miado fino e alto pareceu quebrar a barreira do som. Era o "filho". O gato preto, que parecia mais um Pokémon evoluído, não tinha exatamente um nome. Desde que o adotou, Gigi o chamava simplesmente de filho e nunca se preocupou de dar um nome próprio para o felino.

E ele miava, miava sem parar, e eu tentava a todo custo faze-lo parar, porém sem sucesso.

Shh!! Silêncio, por favor! Você vai acordar ele... — Tentava eu argumentar... com um gato.

Ele só sossegou quando viu Liam arduamente abrir os olhos e espirrar.

— Ugh... — grunhiu.

—Ah... - não sabia o que falar.

—Não sabia que a sua namo...-amiga tinha um gato. Eu sou alérgico, sabe — disse num sussurro preguiçoso.

Olhei ao redor procurando a bola de pelos, mas já havia sumido. Parecia que sua missão era ser um agente do caos.

Liam esfregou os olhos com força, bocejando em seguida.

— Você tá bem? — indagou, encarando-me.

— Eu... eu estou sim. Na verdade, fisicamente eu não me sinto mal em nenhum aspecto... para ser sincero.

— Fico feliz em ouvir isso.

— Obrigado por... você sabe.

— Ah, não foi nada —disse ele, coçando o nariz — deu tempo para te levar ao banheiro, e você vomitou pouco... pra quantidade de vinho e vodca que bebeu! — ele deu uma leve —- depois você começou a falar umas coisas nada com nada e só se jogou aqui no sofá.

Ah... então foi isso que aconteceu.

Deus, como eu estava aliviado em saber que a história tinha sido menos pior que eu imaginava.

— Então a gente só caiu no sono aqui. Mas você acordou antes, não foi?

— Uhum, eu acabei acordando antes. Você ronca alto demais.

Sério!?! — Liam quase deu um pulo.

— Não — ri — você não ronca, não. Estou tirando uma com a tua cara.

— Ora, mas não é que ele sabe brincar...

— Eu sei...?

— Sabe?! — fixava os olhos em mim.

Deus, que brincadeira desconcertante, mas eu não conseguia parar.

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⏰ Last updated: Jan 13, 2019 ⏰

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