Meu caro amigo,
Você não vai acreditar no que eu descobri. Sabe a minha vizinha, a Dona Lucinda? Descobri que o relógio de parede dela é uma bomba. Você deve estar se perguntando como. Pois bem, vou lhe contar:
Ela me pediu pra montar umas prateleiras na sala dela; fui lá e, enquanto perfurava a parede - o relógio dela é um carrilhão Herweg, modelo bem antigo, daqueles de corda -, não pude deixar de ouvir o "tic tac tic tac", o mesmo "tic tac" que eu ouvi há um ano quando morava com meus pais e eu sabia, eu sabia que eles haviam voltado, os mesmos terroristas de um ano atrás: eles voltaram, meu caro amigo, eles voltaram! Então parei de perfurar a parede e me olhei pro relógio. Disse a Dona Lucinda pra sair imediatamente de casa, pois eu sabia que aquele relógio era na verdade uma bomba. Ela me olhou assustada, com os olhos arregalados. Era óbvio que a pobre coitada não sabia de nada. "A senhora tente manter a calma que eu vou dar um jeito nisso", eu disse a ela. Mas ela se recusou a sair! "Dona Lucinda, isso é sério, tem uma bomba no seu relógio de parede, a senhora saia daqui imediatamente, deixe que eu cuido disso", insisti. Mas a pobre velhinha não saía. Foi aí que eu resolvi tomar medidas drásticas: era muito arriscado, mas mesmo assim fui correndo pra cozinha, peguei um rolo de abrir massa e destruí completamente o relógio. Poderíamos ter morrido, eu sei. Mas deu tudo certo, ainda bem, pois creio que a bomba ainda não estava programada para explodir e eu a destruí antes que o pior pudesse acontecer.
Mas infelizmente as pessoas são muito mal-agradecidas e com a Dona Lucinda não foi diferente. Eu salvei a vida dela e mesmo assim ela me xingou e berrou a plenos pulmões dizendo que eu era um louco varrido e que isso não se faz e etecetera e etecetera. Acabou que me expulsando de sua casa e ameaçando chamar a polícia e dizendo que aquele relógio era herança do seu avô...
Contei tudo pro Dr. Albieiro e ele acabou que aumentando as doses de medicamentos...
Não tem sido fácil, meu caro amigo, mas eu não desisto da batalha, não vou me entregar, ah não, isso jamais! Pedi desculpas a Dona Lucinda pelo equívoco, mas ela não aceitou muito bem. Entendo perfeitamente. Aquele relógio tinha um valor e tanto... Vida que segue, não é mesmo?
Bem, meu caro amigo, vou ficando por aqui. Cuidado, muito cuidado com os terroristas. Eles estão por toda parte, disfarçados de mecânico, de entregadores de pizza, e até de Mórmons! Fica de olho e cuide bem as sua família.
Um grande abraço do seu amigo que te ama,
F.O.
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Meu Caro Amigo
Short StoryCartas de F. O. que sofre de esquizofrenia paranoide a um pessoa ao qual ele chama de "Meu caro amigo". Nessas cartas F. O. descreve suas alucinações, conta como lida com sua doença além de poder ter alguém com quem possa compartilhar suas dores, an...