Para eu começar a minha história vocês devem querer saber primeiro meu nome, não? Bem, podem me chamar pelo nome que quiserem, afinal eu não tenho nenhum (e tenho todos ao mesmo tempo). Alguns me chamam de Maria, outros de Julia... Mas na escola meu nome sempre era "Burra". Em casa, meu nome era "Amor" para minha mãe, "Inútil" para o meu pai. Na rua meu nome era "Estranha". Nas festas, "Solitária". Desde muito cedo aprendi que Amar é apenas uma palavra de quatro letras.
Citalopram aos 11 anos. Aos 12, a primeira tentativa.
Quando minha mãe morreu eu tinha 30 anos. No enterro, apenas eu e uns poucos familiares. Eu abraçava seu caixão, "não me deixe aqui sozinha" pensava eu, lamentando em lágrimas a perda daquela que havia chegado mais perto em demonstrar-me algo parecido com amor. Quando eu me afastei, percebi a presença de um homem incrivelmente bonito, com uma beleza que eu raramente havia visto nessa vida. Mas ele era esquisito, não parecia sentir incômodo em estar naquele ambiente carregado de tristeza. Não sabia se via apatia, indiferença ou mesmo se um sorriso em seu rosto. E seu andar era muito lento.
Enterramos o caixão, logo em seguida as nuvens cinzentas demonstravam sua empática comoção e nos devolveram seu choro (sempre me perguntei se não era minha mãe, como se dissesse: cheguei aqui em cima, e estou triste por vocês).
Voltei para casa andando sozinha, na companhia apenas da leve e fina chuva que caia sobre a cidade da rejeição.
Acendo um cigarro e começo a fumar na chuva. Sim! Na chuva.
- Como é lindo ver esta imagem - era o homem estranho do enterro. Não sei como ou de onde ele apareceu. Me assustei.
- É... O-o que?
- O cigarro - apontou - você o fumando, sabe? Fico encantado com essa imagem
- Olha só, é um péssimo momento para cantadas - segui meu caminho, ele me acompanhou
- Não, não. Não me interprete mal, desculpe. Só queria dizer o que eu acho
Nos encaramos por um tempo, eu observava sua figura, era... Diferente. Havia algo nele que eu não sabia explicar bem.
- A senhorita se importa que eu a acompanhe?
- Mas eu nem sei quem é você
- Sabe sim, nos conhecemos há muito tempo, minha cara. Bom, não exatamente. Eu te conheço, e você me idealizou desde pequena.
- O-o quê? Quem é você? Não estou entendendo
- Eu sou aquele que nasceu junto com a primeira vida, atravesso o tempo e estou em todos os lugares ao mesmo tempo. Temido por muitos, querido por alguns.
- V-você é Deus?
Abriu um sorriso: não exatamente. Assim como você eu tenho muitos e nenhum nome, mas pode me chamar de Tomer, se quiser.
- Que tipo de nome é esse? - ele riu
- Mais tarde falemos sobre isto. Então, podemos ir?
Eu sei que não deveria permitir que aquele sujeito estranho viesse comigo, mas eu me sentia tão confortável com ele. Acho que acolhida era a sensação que sentia. Eu queria estar com ele.
Caminhamos então. Estranho, ele parece ficar maior enquanto o tempo passa, mas isso só pode ser impressão minha.
Apesar de ser alto, seus passos ainda me eram muito lentos. Falei disso para ele, da qual me respondeu: acha mesmo isso? A maioria das pessoas costuma dizer que eu chego rápido demais, mas de vez em quando outras têm a mesma impressão que você.
Conforme andávamos sobre a fria rua molhada pela chuva, vez ou outra nos deparávamos com pessoas nos encarando. Na verdade, pareciam olhar para Tomer, lançavam-lhe olhares amedrontados, preocupados, e logo se afastavam tentando evitá-lo.
- Tudo o que fazem pra me evitar é em vão. Cedo ou tarde, lento ou rápido, eu os alcançarei.
Eu deveria me assustar com sua fala, ou ao menos me preocupar, mas não. Por algum motivo sua sentença soou muito óbvia pra mim. Eu não estava entendendo muito bem o que estava acontecendo naquele dia estranho, e isso não me importava.
Passamos por um bar e encontrei uma amiga lá. Me aproximei e pedi uma bebida ao barman, minha amiga parecia dirigir um olhar de espanto para Tomer.
Conversamos um pouco, ela aparentava estar meio incomodada. Ofereci uma bebida a Tomer, ele não quis beber nada. Até que eu derrubei acidentalmente meu copo no balcão. Procurei por guardanapos, mas não havia nenhum. Tomer se ofereceu para ir buscar um pouco de papel no banheiro e para lá se foi. Nisso a minha amiga se virou para mim e disse:
- Amiga, tá doida? Quem é esse estranho?
- Conheci-o no enterro. Sei que é estranho estar na companhia de um desconhecido, confesso que ele pode ser um pouco esquisito, mas você se acostuma. Não está rolando nada, apenas estamos andando juntos.
- Você só pode estar louca! O enterro não deve ter te feito bem, só assim pra andar com esse esquisitão. Olhe para ele, pálido, horrível, parece até trazer um clima sombrio com ele. Tenho medo dele.
- Você está exagerando, ele não é tão ruim assim.
Nisso Tomer voltava com uma quantidade modesta de papéis na mão. Ela, ao vê-lo, assumiu uma postura amedrontada e saiu correndo dali.
Mais tarde, enquanto ainda caminhava com ele, me lembrei da minha amiga descrevê-lo como horrível.... Isso me intrigou, afinal ele era um homem muito belo, daqueles que dificilmente alguém poderia pensar o contrário, um daqueles casos em que até mesmo os homens mais "machos" concordariam comigo.
Ao final de tudo, estávamos numa rua com duas saídas.
- A minha casa é para a direita - eu disse
- A minha é para a esquerda
- Bom, acho que é aqui que nos despedimos
- Ou pode ser aqui que nos unimos
- O que? Como assim?
- Venha comigo. Afinal é tudo o que você sempre quis
- E quem é você, afinal?
- Não acha muita coincidência meu nome ter as mesmaa letras e quantidade da palavra Morte?
- O QUÊ?! VOCÊ É UMA ESPÉCIE DE ANJO DA MORTE?
- Isso é bem relativo, cada um me chama como quiser. Você me chamou a vida inteira de Destino, Desejo, Casa... - ele me puxou pela mão e me envolveu nos braços - agora você é quem decide: quer viver sua vida inexpressiva ou quer vir comigo ao desconhecido?
Eu pensei muito. Ficamos ali com as testas encostadas falando em sussurros com o outro.
- Eu te esperei a minha vida toda...
Tomer: e agora podemos ficar juntos para sempre...
A chuva aumentou; Cheguei ao seu ouvido e numa voz baixa lhe perguntei: como?
- Apenas me deixe te beijar
Eu parei, pensei. Novamente fui ao seu ouvido com uma voz baixa e lenta:
- Me beije agora.
- Eu te amo, mas você sempre me amou.
E foi assim que tudo terminou, ele beijou meus lábios.
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Fumando Na Chuva
Short StoryEssa estória conta sobre uma mulher que desde a infância foi excluída, depressiva e solitária, e, aos 30 anos, no enterro de sua mãe, conhece um sujeito muito estranho e passa por conversas e situações igualmente estranhas. É um conto interpretativo...