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O cheiro hospitalar era completamente evidente quando acordei em meio aos lençóis brancos e vi a pequena agulha posta em minha veia para tomar soro, não me recordava do que havia acontecido para estar ali – por mais óbvio que seria o mesmo motivo de sempre. Estavam em minha direita e esquerda duas outras macas, uma senhora com a perna enfaixada e um garoto que aparentava ser de minha idade que não podia identificar o que tinha. Como já era habituado por lá, toquei a sineta e logo em seguida recebo a "calorosa" mensagem da enfermeira: uma bandeja com comida. Por que ainda insistem nisso? Não vou ingerir aquelas duas mil e seiscentas calorias inseridas numa única tigela de sopa – sim, já apareci por aqui tantas vezes que decorei até mesmo as células disso que eles chamam de comida saudável – e muito menos seguir suas regras. Não sou doente, apenas estou pensando no meu próprio bem! Não era aquela nutricionista que dizia sempre "seja magro e com saúde"? Pois bem, estou correndo atrás disso que ela tanto me indicara durante minha infância.

Espero a mulher terminar seu discurso sobre carnes e proteínas, dizendo o quão importante eram ao meu organismo e corpo, e enfim sair do quarto para que eu pudesse alimentar o vaso de plantas, elas com certeza sentiam mais fome que eu por servirem apenas de enfeite, coitadinhas. A bandeja azulada é posta em meu colo – não tinha outra superfície que serviria para ela – junto de minhas mãos sobre sua estrutura, escuto um suspiro baixo na maca da direita, a do garoto, ele estava sussurrando para si mesmo naquele momento, porém logo o tom de sua voz se aumenta e me lança uma pergunta.

— Não acha que as plantas terão uma irradiação nuclear com a sopa? – Ele ri baixo com sua própria fala, ajeitando um par de óculos escuros nos olhos, e deixa sua atenção focada na parede da frente. – A comida aqui não é boa, mas também não deveria ser jogada em um vaso de barro. Ela merece um destino bem mais comparável com sua real definição, no caso, seria seu próprio estômago.

O garoto parecia ser um pouco estranho, ele não procurava fazer contato visual e também não tinha um foco o qual olhar. Não queria julgar muito, mas ele parecia ser antissocial e talvez sarcástico (claro, isso já está na cara de qualquer um que o conhecer, independente da proximidade que tiver). Vendo que partindo dele nada sairia, me sento na maca de forma confortável e deixo a bandeja no chão, vendo meus pés pendurados no ar antes de voltar a olhar meu companheiro, que parecia esperar eu me ajeitar para prosseguir com suas palavras. E adivinhem, isso realmente aconteceu em seguida.

— Como veio parar aqui, Park? – Sua pergunta sai em tom calmo, como se fosse totalmente normal dizer o sobrenome de um desconhecido sem ter ouvido a própria voz do mesmo. Confesso, fiquei assustado e pensei nas possibilidades de o menino ter vasculhado minha ficha ali, desvendado meus segredos ou ter invadido minha mente em uma fração de segundos. – Relaxe, escutei a bronca que levou da enfermeira, parece que ela queria deixar bem claro que ela gosta de bois mortos. Agora me responda, estou curioso...

— Não sei ao certo, devo ter desmaiado. – Dou de ombros, não me importava com o que raios tivesse acontecido comigo, meu corpo deveria se acostumar logo com os apagões que dou semanalmente. Ele continuava sem olhar para mim, estaria com medo e simulando a paz exterior? – E você? Não consigo ver nenhum machucado, desmaiou também?

— Na verdade... – Ele ri novamente, movendo sua cabeça de forma leve para outro canto aleatório da parede. – Eu acabei dando de cara com a porta de casa e apaguei, estava com pressa para não perder uma consulta médica. Parece que peguei carona com a ambulância. – Certo, ele era engraçado e até mesmo interessante de se conhecer, mas ainda sinto um leve medo por seu comportamento ali.

— E o que aconteceu para não ver a porta? Ela ficou invisível ou era feita de vidro, igual àquelas pegadinhas? – Rio nasalado ao mesmo tempo que pergunto, estava tentando me entreter e puxar um bom papo, fazer amizade. Só não sabia que aquela maldita pergunta poderia ter o machucado. Tão estúpido, Jimin, tão estúpido!

anormal | vmin auOnde histórias criam vida. Descubra agora