anormal | vmin au

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Pesadelos e mais pesadelos, me rondaram durante todo o resto da semana. A última fala do Kim, antes de se despedir e sair todo contente fora do prédio, me deixou com traumas. Parecia um repleto comercial de televisão, juro juradinho: queijo bem amarelo derretendo e pingando um óleo espesso; uma mesa sem espaço, lotada de coisas diversas e feitas de chocolate; um bolo enorme, com muitas camadas e recheios diferentes, apenas os morangos me alegravam; pra completar, uma tabela nutricional com números de vários dígitos que contavam a quantidade absurda de calorias consumidas.

Acho que festas de aniversários são meu bicho papão com upgrade.

Não é piada, eu realmente odeio essas comidas gordurosas e de fast food. E não, eu não sou um velho que tem intolerância a juventude, fura bolas de crianças e mais reclama do que tosse. Tem algum problema tentar ser saudável? Só não compartilho do mesmo que pessoas da minha geração, nada muito estranho.

Mesmo em meio a tantas assombrações de ganho de peso e muitos pensamentos de negar novamente o convite, eu tinha uma preocupação maior (meio difícil, mas consegue ser pior que o monstro carboidrato e o fantasma açúcar). Que presente eu daria para Taehyung?

Tente não lembrar da frase que dizia sobre nossa amizade parecer estruturada e melhor que muitos relacionamentos por aí. Amigos bons sabem o que o outro gosta. É, um ponto a menos para mim. Eu queria fazer com que meu presente o tocasse, o deixasse extremamente feliz. Se fosse uma roupa não seria tão importante, ele não vê o que veste; um par de óculos novos não tem graça, o que importa para ele é a lente escura; comida... Não sou o melhor em comprar, tenho pavor apenas em ouvir propagandas!

Eu precisava pensar. E muito.

Google, na minha opinião, foi uma das melhores invenções dos últimos tempos. Quando saí de casa foi difícil, eu não tinha paciência para ler manuais de instruções dos equipamentos que comprava, nem de inventar muita coisa para cozinhar três refeições por dia – mesmo que eu quase não use fogão. Apenas coisas simples e práticas, é disso que gosto. "Como cozinhar um ovo?", a gente nunca esquece da primeira busca desse site maravilhoso. Aos poucos, acabei aprendendo sozinho várias coisas, agora não tenho tanto dinheiro assim para uma doméstica limpar a kitnet e isso é triste demais. Algum outro gênio poderia muito bem criar um manual online de como morar sozinho e com pouco dinheiro, eu seria o primeiro a comprar.

Como estava falando, a internet sempre salva vidas, então eu iria usufruir desse oráculo para encontrar a solução que preciso: o temido presente perfeito.

Meu histórico, agora, estava lotado de coisas bem semelhantes: "presentes para cegos"; "o que toca cegos?"; "cegos se importam com beleza?"; "meu amigo é cego e vai fazer aniversário, o que eu posso comprar?". Foram infinitas as tentativas e resultados encontrados, percebi que já havia ultrapassado o limite quando entrei em um site de sex shop (atingi a famosa deep web, talvez?).

Tio Google não iria me ajudar hoje, eu teria de fazer da forma antiga. Vesti meu moletom preto e largo, a calça jeans clara rasgada e meus chinelos, estava mais que pronto para enfim comprar o presente. Iria ao shopping.

Eu não tenho muito costume de sair para gastar meu dinheiro, a tecnologia avançou e até meus remédios de perder peso eu consigo comprar na internet – se bem que eu não cheguei a emagrecer tanto como a loira de pele laranja no comercial conseguiu, me enganaram direitinho. As sementes para a horta, as poucas coisas do mercado e roupas sempre vieram pelo correio, nunca vou atrás disso. Seria uma experiência nova, e eu tinha medo de chegar perto de tantas pessoas agrupadas.

O ônibus já foi um caos. Ele não estava lotado, eu consegui me sentar calmamente para ouvir minha música, só havia um problema de cinco anos que chorava e fazia birra no banco da minha frente. Lindo, não é mesmo? Mais lindo ainda só a mãe do problema, que mexia no celular de forma tão lenta, parecia se sentir invisível ali (Drax, é você?). Trinta longos minutos, uma tortura... Até desci em um ponto antes do meu, antes que colocasse a criança na linha.