1.2. Sombra

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 Jung chamou de sombra o imenso aglomerado de conteúdos inconscientes, positivos ou negativos, que foram rejeitados pelo ego ou dos quais este nunca tomou conhecimento. Se nenhum dos elementos constitutivos do inconsciente se diferenciou, a sombra pode mesmo ser identificada com a própria totalidade do inconsciente.

Stein (2000, p. 100) afirma que "O que a consciência do ego rejeita torna-se sombra; o que ela positivamente aceita, aquilo com que se identifica e absorve em si, torna-se parte integrante de si mesma e da persona."

Naturalmente, deve-se considerar que o que é rejeitado e destinado à sombra varia conforme a cultura, o meio ambiente, a educação etc.

A sombra age como um sistema imunológico psíquico, definindo o que é eu e o que é não-eu. Pessoas diferentes, em diferentes famílias e culturas, consideram de modos diversos aquilo que pertence ao ego e aquilo que pertence à sombra. Por exemplo, alguns permitem a expressão da raiva ou da agressividade; a maioria, não. Alguns permitem a sexualidade, a vulnerabilidade ou as emoções fortes; muitos, não. Alguns permitem a ambição financeira, a expressão artística ou o desenvolvimento intelectual; outros, não. (ZWEIG & ABRAMS, 1994, p.16)

Logo, compreende-se que a sombra representa aquilo que foi ocultado, não aceito, e não necessariamente o ruim, o negativo. Também coisas boas são ordinariamente entregues à sombra e esquecidas pelo ego, o que explica todo o rico potencial que há escondido na sombra.

Se se acreditou até hoje que a sombra humana é a fonte de todo mal, pode-se, agora, assegurar, olhando-se mais de perto, que o homem inconsciente, isto é, sua sombra, não consiste somente em tendências moralmente repreensíveis, mas que apresenta, também, um conjunto de boas qualidades, tais como instintos normais, reações apropriadas, insights realistas, impulsos criativos, etc. (JUNG, 2011, § 423)

Se as tendências reprimidas da sombra fossem totalmente más, não haveria qualquer problema. Mas, de um modo geral, a sombra é simplesmente vulgar, primitiva, inadequada e incômoda, e não de uma malignidade absoluta. Ela contém qualidades infantis e primitivas que, de algum modo, poderiam vivificar e embelezar a existência humana. (JUNG, 1978, § 134)

Todos os sentimentos e capacidades que são rejeitados pelo ego e exilados na sombra contribuem para o poder oculto do lado escuro da natureza humana. No entanto, nem todos eles são aquilo que se considera traços negativos. De acordo com a analista junguiana Liliane Frey-Rohn, esse escuro tesouro inclui a nossa porção infantil, nossos apegos emocionais e sintomas neuróticos bem como nossos talentos e dons não-desenvolvidos. A sombra, diz ela, "mantém contato com as profundezas perdidas da alma, com a vida e a vitalidade — o superior, o universalmente humano, sim, mesmo o criativo podem ser percebidos ali". (ZWEIG & ABRAMS, 1994, p.16)

Então, como tais conteúdos entregues à sombra não passaram pelos impulsos organizadores da consciência, não tiveram oportunidade de se desenvolver e assim permaneceram primitivos, imaturos e por vezes infantis ou até perigosos.

É importante que o indivíduo consiga confrontar, conhecer e admitir a existência e os impulsos da própria sombra, para promover, mesmo que inevitavelmente de forma parcial, sua integração com a consciência, ampliando-a. Sem este processo, corre o risco de que tais conteúdos sombrios tomem-no de assalto, criando difíceis situações. Por outro lado, a integração traz equilíbrio, conduzindo à transformação.

O confronto com a sombra é, para a consciência, uma necessidade terapêutica, e, na verdade, o primeiro requisito de qualquer método psicológico completo. Ao final, isto deve levar a algum tipo de união, embora, a princípio, a união consista em um conflito declarado que pode assim permanecer por longo tempo. É uma luta que não pode ser dirimida por meios racionais. Quando deliberadamente reprimida, continua no inconsciente e, meramente, expressa-se de modo indireto, com muito mais perigo, o que anula toda vantagem. A luta continua até os oponentes perderem o fôlego. O resultado da disputa jamais pode ser previsto de antemão. A única certeza é que ambas as partes serão transformadas. (JUNG, 2003, § 514).

A música da sombraOnde histórias criam vida. Descubra agora