*

65 6 7
                                    

        Enquanto esperava em frente à linha do trem, pensamentos sobre o acontecido corroíam Elisabeth por dentro, fazendo-a sentir como se estivesse sendo sufocada, tendo todo o oxigênio tirado de seu corpo pouco a pouco, sem que pudesse fazer nada para impedir.

        A verdade sobre Victor estava a sua frente o tempo todo, mas não conseguia vê-la. Ou então, não queria. É como dizem: "o amor é cego". No entanto, apesar de (e talvez por conta de) todo esse amor, foi obrigada a perceber que ele estava definhando, diariamente, cada vez mais.

        É claro que o apoiou desde o princípio, quando tudo não passava de uma ideia impossível. O que inicialmente era seu sonho, acabou se tornando sua obsessão, e - perdoe-me se soar radical demais – sua perdição.

        Uma senhora se levanta, entrando na locomotiva, que se aproximara sem que tivesse notado. A jovem se senta em seu lugar, na tentativa inútil de melhorar a sensação ruim que a colocava um nó na garganta e fazia suas pernas tremerem.

       Enfrentou sua família, fugiu de um casamento arranjado. Foi parar em Ingolstadt, pequena cidade no sul da Alemanha, aceitando viver em um apartamento de dois cômodos, longe de tudo e todos que conhecia, cravando batalhas diárias para conseguir sobreviver. Estar com Victor era um conforto em meio a tantas preocupações e dificuldades pelas quais passavam. No entanto, vagarosamente, tudo foi mudando, por isso, lá estava Elisabeth novamente, fugindo.

        Aproximam-se uma mulher, que parecia exausta, com braços esqueléticos e olheiras fundas, carregando uma garotinha no colo, e um garoto à barra de sua saia, trazendo consigo apenas uma mala pequena e um urso de pelúcia, já um pouco maltratado, visto que estava sem um olho e parecia não ser lavado há um bom tempo. Apesar de tudo, o olhar da mãe era determinado. Seus filhos pareciam dar-lhe coragem para continuar.

         Lembrou-se de que ela e Victor planejavam ter crianças, mas como todo o resto, esse foi se tornando um sonho distante. Já não conseguia mais encontrar verdade por trás de suas palavras. Suas promessas não estavam sendo cumpridas, e muito menos davam sinal de que o contrário aconteceria. O centro de sua vida agora era sua criação. Victor não dormia. Não comia. Não saía de sua oficina. Tentar convencê-lo a fazer qualquer coisa era tão difícil quanto encher uma peneira com água: não importaria o quanto se esforçasse para enchê-la, a água continuaria saindo por seus pequenos furos, tornando inútil todo o seu trabalho e dedicação.

        Tentou alertá-lo de que ele não estava bem, de que precisava de ajuda. Já não suportava mais vê-lo acabar consigo mesmo, com o que um dia fora o homem que amou. Mas a situação estava mais grave do que imaginava, e ao ver-se de frente com uma decisão entre seu projeto e sua amada, Victor não hesitou em escolher a ciência.

        Essa foi a gota d'água. Lis estava cansada de viver os sonhos (ou agora pesadelos) de outra pessoa. Cansou-se de ser colocada como segunda opção e de ser tratada como se não fosse dona de si.

        Por todos esses motivos, a jovem decidiu que iria embora. Voltar para a casa de seus pais estava fora de cogitação, já não aguentava mais ser controlada. Passava as mãos por seus cabelos finos e claros, pensando no que faria. Felizmente algo a fez lembrar do convite de sua amiga de infância, Louise, que se mudara para Paris há alguns meses. "Venha me visitar. Se precisar de algo, não hesite em me contatar. Farei o que estiver ao meu alcance", era o que dizia a última carta que trocaram.

        Tudo parecia estar resolvido. Enfim poderia se dedicar ao que mais amava: jornalismo. Esse era o seu grande sonho desde sempre, mas não tinha autorização e nem apoio da família. Agora Elisabeth era independente. Louise certamente conseguiria ajudá-la; quem sabe não conseguia trabalhar para fazer aulas na faculdade? Algum estabelecimento na cidade deveria estar precisando de um novo funcionário, certo?

        Na calada da noite, jogou suas roupas na mala gasta com pressa. Vestiu uma roupa quente e não desistiu até o último cacho rebelde estar dentro de sua touca de lã. A noite estava fria. Uma lua cheia a encarava. Flocos de neve não pareciam querer parar de cair. Lis fechou sua mala, segura de que estava fazendo a coisa certa. Escreveu a Victor uma carta de despedida e colocou-a em cima da cama, sem saber ao menos se um dia, seria lida.

        O barulho que o trem fez ao diminuir a velocidade, o atrito entre as pequenas rodas e os trilhos, despertou Elisabeth de seus pensamentos. Levantou-se para entrar e enfim seguir seu caminho. O que, porém, nunca aconteceu.

        Assim que Victor leu a carta, quando foi contar à parceira seus avanços na pesquisa e não a encontrou, correu para a estação de trem como nunca havia feito antes. Contudo, ao chegar lá, tudo o que viu foi uma multidão em volta de algo, ou melhor, alguém.

        - Mais uma prova de que a segurança nessa cidade é o mesmo que nada! A pobrezinha estava prestes a embarcar quando aquele delinquente disparou! Tudo por causa de uma carteira! - Gritava um senhor, que mal conseguia se manter de pé apoiado em sua bengala, mas não conseguia conter sua revolta.

        Victor começou a ficar tonto. Sua cabeça girava, seu estômago dava voltas sem parar. "Não é possível, não pode ser Elisabeth".

        - Pobre garota. Estava no lugar errado, na hora errada. - Dizia uma senhora, apoiando-se no homem ao lado como se sua vida dependesse disso, deixando escapar algumas lágrimas.

        Com a vista embaçada e joelhos trêmulos, empurrava todos ao redor para que pudesse ter um vislumbre de quem estava naquele chão. Ao finalmente conseguir ver, Victor desmoronou. Caiu de joelhos, derrotado. Segurou-a em seus braços uma última vez, negando-se a acreditar no que estava acontecendo.

        - Não vá, Elisabeth, por favor. - O rapaz repetia, balançando-se para frente e para trás, juntando um número ainda maior de pessoas para observar a cena.

        Só conseguia pensar em tudo o que haviam perdido. Todo o tempo que ainda teriam juntos. Seu casamento, seus filhos, suas viagens. Tudo se desfazendo, sendo levado junto com a poeira pelo vento fraco que soprava na estação.

        - Sinto muito. - O garoto que Elisabeth observara momentos antes, disse ao se aproximar, tendo, claro, desobedecido as ordens da mãe. - Essa carta estava no bolso dela, pode ser pra você.

        Victor observou o garoto alguns segundos antes de pegar o papel amarelado e marcado com as palavras de Lis. Não era para ele, tratava-se de algo que ela havia escrito para ninguém em especial, mas ao mesmo tempo, para todos. "Já estava na hora de tomar a caneta e enfim começar a escrever a minha vida. Não há volta. O que for escrito a partir de agora, jamais será apagado – e espero nunca ter vontade de fazê-lo", era tudo o que havia ali.

        - Quero que fique com isso, vai te fazer sentir melhor, senhor. - O menino continuava de pé, em frente a Victor. Estendia as mãos, que seguravam seu ursinho velho.

        O rapaz pegou o urso, se perguntando como aquilo poderia amenizar o que estava sentindo, que era no mínimo devastador.

        Anos mais tarde, bem depois de ter se enterrado novamente em sua oficina, depois ainda de ter visto tudo escorrer pelo ralo com um erro fatal, ele perceberia que não era apenas um urso velho, mas que significava muito mais: aquilo, era esperança.

_______________________

Eu escrevi esse one shot pra um trabalho de redação, então pensei em postar. Se a professora gostou, pode ser que mais alguém goste k

Elisabeth Frankenstein (One shot)Onde histórias criam vida. Descubra agora