Pluma na bolha de cristal

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Se tivéssemos um registro sobre nossa história, gostaria que se chamasse 'Flor do Luar', porque eram nas noites que nosso ponto alto se localizava, quando a Lua iluminava as sombras e você brilhava com a luz refletida em sua pele, ou talvez fossem apenas meus olhos inebriados com sua silhueta, não sei, entretanto, nesses momentos, você se assemelhava à uma flor desabrochando com a chegada do Sol da primavera, expandindo seu sorriso e trazendo beleza ao meu mundo sombrio, minhas madrugadas se tornavam menos vazias e eu não sentia mais tanta falta assim do amanhecer, afinal, meu jardim era noturno.

Me recordo daquele dia, se bem que era noite, quando notei suas órbitas cintilantes pela primeira vez, seu olhar curioso e retraído, seu semblante suave e distraído. Você, uma incógnita, um quê de sim e não. Nunca tive certeza se uma risada era alegria ou disfarce, uma lágrima era emoção ou tristeza.

Quase sempre estive ignorante de sua realidade, seu mundo pessoal e privado, não por falta de interesse, é claro, pois você sabe - ou ao menos deveria saber- que era por impossibilidade mesmo, afinal de contas, se dependesse de mim, estaria ciente de cada centímetro e segundo que te envolvesse neste planeta.

E apesar de ser incapaz de te monitorar tanto como gostaria, lá estava eu sempre a te observar dentro do possível: seus passos, suas expressões, seus gestos, sua graciosidade. Me perguntava porquê direcionava toda aquela atenção e dedicação àquelas pessoas enquanto eu não passava de um ser inexistente para ti. Eu queria aquilo tudo só para mim, te desejava completa e necessitadamente, sem nenhum traço e ingrediente a menos, meu anjo, porque cada átomo seu era um pedaço em falta meu, e eu queria de volta.

No entanto, com o passar do tempo, fui entendendo melhor seus gostos e preferências, além de conhecer suas atividades, também passei a compreender seu interior, o que obviamente apenas me tornou ainda mais suscetível à você, uma vez que tendo minha admiração total, minha devoção cresceu consideravelmente, e quando pensei que poderia se tornar minha propriedade, era eu quem estava em suas mãos, totalmente entregue.

Te daria tudo que estivesse ao meu alcance, te protegeria de qualquer um que ousasse lhe ferir, realizaria todas as suas vontades, te trataria como se estivesse em uma bolha de cristal sensível ao toque assim como uma pluma, mas por qual razão, motivo ou seja lá o que for, ainda assim escolheu outra pessoa?? Como atreveu-se a me abandonar, eu quem sempre lhe estimou incondicionalmente??

Olhar suas fotos juntos, o modo como sorri para este outro alguém e não para mim, como se divertem, me destrói. Nunca pensei que diria isso, mas sua felicidade – não proporcionada por mim – me incomoda, atiça minha ira, não, não dê risadas dessas piadas sem graça, não olhe para esta criatura desse jeito, pare, por favor, pare de me maltratar assim.

Essa decoração, flores para todos os lados e um tapete vermelho e comprido, essas mesas com tolhas azuis rodeadas de pessoas alegres, esse bolo de várias camadas, esse meu coração partido... combinam perfeitamente com o ápice de minha desgraça, não acha?? A coroa de espinhos que me faltava, por que não cravar logo uma estaca em meu peito de vez?? Doeria bem menos do que assistir à tudo isso.

Nunca esteve em meus planos te perder desta forma, te deixar partir sem poder ao menos lutar por nosso final feliz. Era tudo tão bom quando você me permitia sonhar contigo, acordar sorridente após uma noite apaziguante, quando direcionava piscadas e beijos em minha direção e sorria timidamente após o fazê-lo, sendo que no fundo não se arrependia de sua ação, apenas não tinha certeza se deveria realmente a ter feito, quando ainda estava livre dessa aliança de agora em seu dedo.

Poderíamos ter continuado em nossa inocência, em nosso universo especial. Ou melhor, você poderia ter me deixado continuar com meus delírios, na ilusão em que me proporcionava de que ainda havia chances para um verme como eu.

Não tinha esse direito, de me cegar com sua luz e depois apagá-la me deixando nas trevas, sem nem uma vela de consolo. Preciso do meu farol novamente, da sua claridade sobre minha insanidade, compreende?? Necessito de você.


Eu não quero ser apenas uma memória, meu bem.

Esta teria sido uma linda - apesar de triste – história, se ela não tivesse existido apenas em minha mente, mas também em seu coração.

Não a deixe acabar assim. Do nada.

Flor do LuarOnde histórias criam vida. Descubra agora