Capítulo 1

21 1 0
                                    

O ônibus parecia desgovernado. A cada quebra-molas e cratera ultrapassada, sentia meu corpo ser lançado em diferentes direções, dançando como aqueles bonecos de palhaços em caixas surpresas.

As casas e os recentes empreendimentos do bairro sucediam-se em borrões - uns mais altos, com andares e fachadas arquitetadas, outros mais baixos, quase insignificantes. Alguns coloridos, com vidraças recheadas de produtos e manequins vestidos com as tendências da última moda, outros sem reboco, com velhos portões de ferro surrados. Da janela do ônibus, vislumbrava a paisagem já tão corriqueira, enquanto sentia o cheiro de mofo oriundo dos bancos acolchoados que nunca viam água e sabão.

Salteipreguiçosamente do último degrau encardido daquela vacilante escadinha,enquanto via por detrás dos ombros o veículo dar partida ao passo que exalavaaos borbotões uma fumaça densa e enegrecida. Caminhei poucos passos, rapidamente,para me distanciar da parada fantasma, vestida sob um fraco feixe de luz de umposte cansado de anos e anos de expediente.

O caminho para casa continuava o mesmo e logo logo cheguei em casa.

Arranquei com a rapidez que fui capaz o sutiã de renda cor creme, respirando um pouco mais aliviada, enquanto ascendia o fogão e sobre as chamas que se alternavam em tons alaranjados e azulados, depositava uma chaleira com água até mais ou menos a metade de sua capacidade. Retirei do armário a minha caneca favorita das três espiãs demais e repousei em seu interior um delicado sachê de chá de erva cidreira. Enquanto esperava a água ferver, direcionei-me a uma pilha de papéis e contas que venceriam nos próximos dias e os organizei em ordem de prioridade, quando avisto sobre a mesa de centro, o meu velho álbum de fotografias. 

Ressoar de MemóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora