Capítulo 2

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Corri sem necessidade alguma, e em instantes me vi folheando as suas laudas amarelas e desgastadas pelos anos, muitos destes marcados e retratados por imagens saudosas e reconfortantes. As páginas passavam pelos meus dedos e anunciavam os sentimentos inerentes a cada lembrança. Não era a primeira vez que consultava, o que até fazia com certa frequência. Rostos rosados e sorrisos amarelos, roupas e sapatos fora de moda, penteados e adornos ultrapassados e altamente cafonas. Que delícia era experimentar todas aquelas sensações. Ao chegar ao final do álbum, deparo-me com a melhor foto, que me faz chorar e reviver intrinsecamente aqueles anos não tão adoráveis de minha infância. Volto no tempo, a um pouco mais de trinta anos e revejo sobre um ambiente verde e límpido, uma menininha de sorriso indecifrável, de cabelos curtos sobre os ombros impetuosamente penteados, as sobrancelhas que insistiam em se aglutinarem em uma apenas, os olhos castanhos claros levemente esverdeados encaravam a lente da câmera antiga e obsoleta, os lábios se sobrepujavam forçados a esconderem dentes não tão alinhados e o nariz enfileirado que pelo amor de Deus, era o que me salvava. Um sorrisinho saliente brotou em meus lábios ao relembrar-me fantasiada naquele vestidinho quadriculado branco e amarelo, que com certeza não me valorizava nem um pouco.

Uma onda de nostalgia e recordações marcantes me enchiam e ao deparar-me com aquele ser tão indefeso retratado naquelas imagem desbotada – a filhinha caçula, órfã de pai, nascida do interior do interior do Maranhão, de nome exótico, de dentição expressiva, que não tinha brinquedos e morria de vontade de ganhar uma boneca, o que não aconteceu, mas em seu lugar, os frascos de perfume e detergente vazios faziam seu papel.

O reflexo da luminária de minha casa ressaltava o brilho nos olhos da menina que esperava avidamente em calçadas alheias ansiosamente a oportunidade de pleitear um espaço em suas janelas e assistir um pouquinho de televisão em preto e branco (um aparelho que poucas famílias tinham na época, e a sua infelizmente não era uma de suas contempladas), e ressentia-se pelos escassos momentos de atenção a si dirigidos.

Fui acordada daquelas lembranças quando a chaleira irrompeu o silêncio que me invadia, lembrando-me do chá que deliciosamente iria aquecer-me naquele noite fria e solitária, enquanto desfrutava das mais ternas emoções oriundas daquelas marcantes recordações.

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