II

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Passei por várias pessoas meio suspeitas até chegar ao Bowl.

Pivete com garrafinha na mão. Mendigo falando sozinho. Velha com cara de quem prefere pombo a ser humano. Marmanjão barrigudo de crachá e camisa polo comendo adolescente com os olhos. Uma nojeira do cacete na rua. Poça fedida. Passarinho bicando resto de coxinha pisada. Buzina, barulho de ônibus, fumaça de ônibus, tudo de ônibus. Sensação térmica de cinquenta graus.

Nenhuma novidade.

A pista de skate não estava cheia. Quarta-feira. Meio da tarde. Se tivesse uns três skatistas se revezando nela era muito. Gente desocupada apoiada na grade só assistindo, tinha umas duas ou três também, o que me era um pouco reconfortante, confesso. Parei próximo a uma tiazona boazuda de bermuda jeans apertada, top laranja e chinelo de dedo branco que estava com a mão na cabeça de um molequinho de uns oito anos. Ela me pareceu decente. Resolvi ficar ali mesmo do lado dela fingindo que eu estava vendo os skatistas também.

Nenhum deles usava gorro verde. Nenhum deles usava gorro. Ponto.

Aproveitei pra contar quantos eram. Só três mesmo. Dois caras e uma garota. Um cara de dread e uma garota de rabo de cavalo sentados na borda da pista do lado oposto ao que eu estava, enquanto o terceiro deslizava de skate pra lá e pra cá na "tigela". Ou talvez fossem duas garotas e um cara. Na real não estava conseguindo definir se era homem ou mulher aquela terceira pessoa dentro da pista. Não que isso importasse, mas sem querer acabei me distraindo com aquela bobeira de tentar adivinhar se fulaninho era homem ou mulher.

Foi então que meu celular tocou e eu voltei a me ligar na situação.

Vi que era o cara da larva e me arrependi imediatamente de não ter desligado a merda do aparelho. Tive a nítida sensação de que o ring estava mais alto que nunca. Acabei atendendo porque no nervosismo ficou mais fácil que tentar desligar.

— Estou atrás de você.

E estava mesmo.

Senti minha espinha gelar naquele calor infernal depois que me virei.

O sujeito era estranho.

Estava com o tal gorro de tricô verde grande e molenga e o celular era mesmo de tijolinho do jogo da cobrinha, mas eu nem tive a presença de comentar nada tamanho o susto que eu levei.

Ok, talvez fosse só uma reação dos meus nervos à flor da pele por ter topado aquele encontro às escuras.

Digamos que ele só não era a pessoa mais convencional que eu já tinha visto na vida.

O corpo era muito tatuado. Muito mesmo. Não essas tattoos que eu via sempre por aí. Eram umas placas pretas grandes cobrindo partes dos braços e das pernas.  Uma das mãos era completamente coberta de tinta preta e segurava um skate igualmente preto. Era bem alto e esquelético, o cara, mas ainda assim intimidante. Não só por conta das tattoos não. O olhar era estranho. Tipo daqueles bichos que se fingem meio de morto pra esperar o passarinho pousar no nariz. Jacaré, sei lá. E ainda tinha um sinalzinho de diferente riscado bem fino embaixo do olho direito que quebrava um pouco a harmonia do rosto que era bem quadrado e simétrico como todas aquelas tatuagens maneiras. (Se bem que a do sinalzinho achei meio redundante, pra não dizer brega)

— Trouxe a grana? — ele perguntou quase sem abrir a boca. Não soava agressivo, só desagradavelmente neutro.

Apenas assenti com a cabeça. Percebi que a coroa  da chinela branca se voltou levemente para trás para checá-lo quando ouviu a palavra "grana". Em seguida se descolou da grade e saiu fora a cagona desgraçada. Não, tudo bem, nem julguei, na verdade. Se eu estivesse com filho pequeno lá e visse uns malucos fazendo negócio na encolha, com certeza teria saído também.

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