Capítulo 1

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Ele está em pé com um revólver 38 nas mãos e com uma mulher sentada à frente, fica ansioso. Quando passou pela porta há seis minutos, entrou sem saber o que fazer, sua mente turva não conseguia encontrar memórias anteriores que o levassem até aquele momento. Estranho não se lembrar e assim mesmo, saber pelas dores nas pernas que havia caminhado por muito tempo.

O lugar ao qual acabava de entrar encontrava-se a mercê do tempo e da guerra recente. Um enorme retângulo em ruínas e nos muros permaneciam as histórias daqueles que passaram por ali, assim como todo o entulho, poeira e fuligem. Ao seu redor, paredes insignificantes decoradas por furos de balas e, acima, um realista céu noturno desenhado em um teto invisível. "O que estou procurando?" Caminhava devagar, não sabia onde estava e muito menos o que procurava, só sabia pelo cenário pós-guerra à sua volta que não estava muito longe de casa. Não demorou muito a perceber, era um galpão, frio e mal iluminado e a cada passo entrava mais fundo na escuridão, e no silêncio de seus passos e no arfar de seu peito percebeu que não estava sozinho. 

Entre todo o lixo seus olhos fixaram-se em uma cadeira alguns metros adiante, sentada havia a silhueta de uma mulher, parte de seu corpo banhada pela luz da lua, hesitante no andar observava suas mãos e pés atadas e com seus olhos vendados.

"Algo estava errado". Com olhar mais atento observava a mulher e mesmo a distância pôde ver uma arma próxima de seus pés descalços. Tinha certeza de que estava viva. Mantinha-se vigilante acreditando não haver mais ninguém por perto, mas não sabia por quanto tempo seria assim. Imóvel, sua mente indicava à porta por onde entrou como uma saída rápida, mas sua intuição dizia para ir mais a fundo e encontrar uma resposta para aquilo. 

Observou por cima do ombro a porta entreaberta e manteve o olhar até surgir uma frustração fazendo seu rosto se contorcer de indignação, nada parecia impedi-lo, porém só conseguiu seguir caminhando em direção àquela silhueta.

Podia sentir a dúvida diminuir a cada passo e foi já próximo dela que um estranho pensamento o atingiu, e logo surgiu a certeza que retirou o que restava de suas dúvidas. Sabia o que fazer. Poderia de fato ser a primeira vez que entrava naquele galpão, mas, com certeza, não era a primeira vez que se encontrava naquela situação. Era um teste, isso sim, e iria passar nele. Conteve-se a alguns passos diante da mulher e, como outras vezes, sentia-se em uma posição de poder.

Não era mais o mesmo, o nervosismo, a adrenalina, podia controlar e usar a seu favor, sentia poder fazer o que quiser. Abaixando-se pega a arma aos pés da mulher e seu coração dispara. Um sorriso revela-se num rosto congestionado. Abre o tambor do resolve com facilidade e percebe preenchido com sete balas. 

Voltava a atenção para sua vítima. Se a conhecia não tem certeza, nesse momento no silêncio o som de passos rápidos o faz se virar assustado a tempo de ver um homem correr desesperado em direção à porta por onde entrou. Covarde! Pensa consigo mesmo, podia estar me ajudando.

Virou-se novamente para a mulher de mãos atadas à cadeira e segue com seu ritual. Ergue a arma diante da cabeça da vítima e seguidamente escuta seu anel de prata tilintar contra o metal da arma. Mas, não consegue disparar, não com a mão a tremer tanto. "Algo está errado", repete ele, a tranquilidade na respiração da mulher o deixa ansioso, receoso segue a mão em direção ao rosto da mulher e tira a venda suja de seus olhos.

Quando finalmente o faz, não consegue compreender, observa atônito o olhar de uma mulher que há tempos não via. Observa-a atentamente, espantado, sem acreditar que seria ela a mulher que outrora fora a dona de todo o seu afeto e devoção.

Fica sem saber como agir e sente que uma parte de si quer correr para longe, mas também de alguma maneira quer terminar aquele teste. Entre fazer algo ou fugir, fica paralisado, hesitante, não consegue fazer o que muitas vezes já fizera. Não com ela... Ouviu num sussurro. Assim, ele larga a arma e corre, corre para longe em direção à porta entreaberta.

A Sombra, a Si - CONTOOnde histórias criam vida. Descubra agora