Capítulo 3

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A dor é primeira sensação que o atinge. Acorda sentado no banco do carona, ofegante e molhado, busca o ar seco enquanto procura entender o que aconteceu. O banco ao seu lado se encontra vazio e ensanguentado, e a porta está aberta, atenta-se ao redor e percebe uma sinieta no limite de sua visão, não consegue vê a pessoa até que pula no banco do motorista. Sentiu uma visgada no ombro. Simon estava terrível, com o rosto congestionado e ensanguentado, — alguns aspectos, seu olhar, seus trejeitos entre outros, fazem Malquias ter a sensação de ver a si mesmo quando jovem. Simon logo nota o olhar sobre si, ambos ficam a reparar os ferimentos na pele, ora um, ora outro, com um olhar indiferente e espantado, se é que podem estar juntos estes contrários.

— Eu avisei que eles estariam atrás de nós. — Simon liga o carro pondo em marcha ré, preparado para voltar à estrada. — Os águias, eu avisei e você não escutou.

Malquias havia batido com o carro roubado, mas não consegue se lembrar de tê-lo feito. Simon o observa. Não consegue imaginar como ele chegou até ali e o que está fazendo, mas enquanto dá ré o carro se move o suficiente para conseguir ver dois corpos inertes ao chão. No mesmo instante, acelera voltando à estrada de terra.

— O que aconteceu?!

— Eu salvei a sua vida.

— Simon, o que aconteceu aqui? Droga!

— Está bem. Calma. Vou contar o que precisa saber. — Pega um cigarro e acende, com um sopro enche o ar de fumaça. — Sabe, eu posso começar com: você os matou. Mas sei que não acreditaria, bom, ainda não é o momento certo.

— Do que você está falando? — pergunta Malquias. Tenta abaixar o vidro que está metade aberto, porém, o amassado não deixa. A fumaça o faz querer fumar, mas nega-se o prazer, há tempos parou de fumar.

Shiii... Simon leva o dedo indicador aos lábios.

— Você me deixou, mas sabia que precisaria de mim. Eu poderia ter voltado a qualquer momento, então foi o que fiz. Digamos que continuei seguindo a estrada até encontrar o carro parado, batido num poste. Você estava fora do carro quando três águias apareceram, iriam prender você, ou coisa pior, e por pensar que tem uma dívida ou uma promessa idiota você iria deixar. Ah, mas eu não iria deixar, então você... Eu os matei.

— Está louco. Só pode estar ficando maluco, eu... eu não lembro disso.

— Sei que não lembra. Talvez quando chegarmos até Malia você lembre.

— Mais que merda! Você é um maluco desgraçado.

— Se eu sou, você também é. — Depois de uma longa risada Simon continua: — Sabe, eu conheço a sua história, Malquias.

— Costumo conhecer as pessoas que me conhecem. — Limitando-se a olhar para estrada e com ar pensativo diz: — E eu não conheço você.

— Tenho certeza que não. Mas essa é uma das maiores mentiras, nunca se sabe de verdade, não é mesmo. Eu também cresci nas ruas, morei em todos os lugares e lugar nenhum... a cidade era minha casa, assim como era para você. Sabe como é, temos de ser temidos, o topo da cadeia alimentar, e para isso não podemos parar de lutar, livres de tudo. Mas estou vendo que você parou e... por uma garota qualquer. — Malquias procura entender, porém, no momento nada parece real. — Temos de voltar a ser aquelas pessoas novamente, Malquias. Voltar a ser lutadores, matadores... Não consigo sozinho, preciso de você para isso.

Silêncio.

Malquias ouve cada palavra, tem a certeza de ser impossível alguém saber sobre seu passado, ainda assim, ali está a pessoa que o conhece mais do que qualquer outra. Por um momento pensa na pessoa que um dia foi, se fosse possível resgatá-la, já estaria perto da cidade com Simon entre uma pilha de corpos na mala do carro. No fundo, sabia que não conseguiria mais agir assim, e no outro, sentia medo de tentar e só encontrar um caminho sem retorno. No momento só sabia hesitar... Sentiu o peito inflar ao pensar o quanto Simon sabia, essa dúvida  o massacrava.

Durante a jornada Simon torna-se irredutível em reponde suas perguntas, mantendo-se firme a não respondê-las. Juntos conheceremos a nós mesmos, diz Simon, quando encontrá-la você vai entender. Malquias sabe que falta pouco, logo estará ao lado de Malia. Tem de se esforçar para conseguir pensar em algo que possa fazer quando chegar o momento, a carta deixa claro uma negociação, uma troca, mas sabe que não pode confiar, jamais confiou. 

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Fala, fala! Como está a história até aqui? Gostou do capítulo, ou pelo menos da ideia da história? Sinta-se à vontade para deixar nos comentários a sua opinião e seu voto! Agora, capitulo 4. Boa leitura 😉

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