Capítulo 1

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Nunca me senti tão infeliz por acordar numa quarta-feira de manhã em toda minha vida. Claro que não sou a única que não suporta acordar cedo, mas o meu motivo pede bastante destaque, pois o problema não é simplesmente ter que acordar cedo, estudar e voltar para casa. O problema é que, além de mudar para uma cidade totalmente desconhecida, onde nem tenho conhecidos ou familiares, estudarei, pela primeira vez, em um colégio interno. Essas duas palavras me causam embrulho no estômago só de imaginar que terei de passar dois anos trancafiada em uma escola da qual nunca ouvi falar na minha vida. Ideia da minha avó Celeste, claro. Para ela, só se tornam boas moças aquelas que cozinham, sabem como agradar o marido e, claro, tem boas notas e um ensino rigoroso e de qualidade.

Finalmente me levanto e dirijo-me ao banheiro para escovar os dentes. Meu pai bate a porta do meu quarto com uma força totalmente desnecessária. Ele nem imagina o quanto estou aborrecida com ele por seguir os conselhos de minha vó. Desde a morte da minha mãe ele sempre recorre à ela quando não sabe o que fazer; e desde que pegou seu funcionário da construtora Malcoln de olho nos meus peitos. Acredito que eu não deva ser a única a achar a atitude dos dois querendo me aprisionar seja algo bem machista... Acho que finalmente perceberam que a "menininha" deles não é mais uma menininha. Mas quem sou eu para desobedecer ordens, não é?

Fiz minhas malas noite passada, me certificando de que não faltaria nada com a ajuda de uma enorme lista que elaborei. Uma das minhas virtudes é ser bastante organizada, principalmente em questões escolares. Confesso que fiz uma planilha com todos os meus horários, datas importantes e regras da escola (fui louca o bastante para gastar minha noite de sono com isso). Ao levantar a mala noto que está muitíssimo pesada e me preocupo com o quanto terei que pagar a mais pelo excesso de bagagem. Meu pai entra com tudo em meu quarto e me avisa com a voz elevada que não devo demorar pois só temos uma hora para chegar ao aeroporto que fica do outro lado da cidade.

Já pronta, desço as escadas a todo vapor direto para o carro, sem nem me despedir da minha avó que, para minha surpresa, já me esperava no banco da frente do carro. Era só o que me faltava! Não posso deixar de xingar essa velha em meus pensamentos. Graças a ela minha vida será um inferno. Regras, rigor e mais regras! O melhor golpe do meu pai para tentar arruinar minha vida acaba de ser completado com sucesso.

Enquanto o carro se movimenta pela cidade incrivelmente turbulenta, não paro de pensar em todos os anos que perdi na minha vida sendo a "senhorita perfeita", o sonho de filha que todo casal gostaria de ter. Cresci sendo criada por babás, meus professores se orgulhavam em lecionar para a melhor aluna do colégio, ganhadora de prêmios como campeã de natação, vencedora do concurso de dança apresentando O Lago Dos Cisnes, primeiro lugar no mural das melhores notas... Sempre fui considerada uma garotinha prodígio e, como sempre diz meu pai, a que "nunca deve se importar com os sonhos dos outros, senão os seus".

Pensando melhor, essa frase me faz imaginar que não posso estragar tudo isso. Não sei do que ele pode ser capaz se perceber que fracassei, um dia.

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