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Eu sempre fui o tipo de criança avoada, que nunca ligava pra nada.

Sempre fui livre, mãezinha acreditava que eu sempre aprenderia mais se pudesse de certa forma explorar o mundo, digo "de certa forma", pois o mundo ao qual ela se referia era nosso quintal.

Mamãe e papai eram o tipo de casal que dava gosto de ver, um chamego que só. Até que um dia os sorrisos de mamãe tornaram-se raros.
Ela parecia cada vez mais palida.
Suas roupas cada dia pareciam estar mais largas. E de repente:

"-Mamãe o que aconteceu com seu cabelo?"

Me lembro como se fosse hoje.  Vi algumas lágrimas rolarem por seu rosto. Ela respirou de forma tão profunda, que confesso que mesmo tão pequena senti sua dor.

"-Olha minha pequena, a mamãe tá dodói, e pra que eu possa ficar bem, preciso tomar um remédinho que faz o cabelinho cair!"

"-E você vai ficar boa mamãe?" Perguntei com minha inocência. Eu não fazia idéia do quão grave era esse "dodói", mas mamãe sabia. Ela sabia bem, e talvez por esse motivo sua resposta saiu em forma de choro. Um choro sofrido. Seus braços me envolveram e eu chorei, mesmo sem ter conseguido interpreta a sua resposta em forma de lágrimas. Eu sabia que o que viria não seria nada bom. Mas o meu pai parecia acreditar. Ele separou nosso abraço, me olhou nos olhos e disse com tanta certeza, que eu acreditei:

"-É claro que esse remédio vai deixar a mamãe bem, logo logo ela vai estar a andar pela casa reclamando e querendo saber quem que usou do shampoo importado dela. E fazendo aqueles bolos bem gostosos pra gente comer juntinhos numa manhã de domingo qualquer!"

"-Só no domingo?" Achei que era importante perguntar.

"-Todos os dias meu bem, a gente vai ter bolo fresco todo dia!" Minha mãe respondeu com um sorriso tímido, algumas lágrimas ainda insistiam em rolar, mas seus olhos brilhavam.

É bom quando alguém acredita na nossa capacidade de superar toda e qualquer adversidade. Mas aquela conversa foi uma das ultimas que terminaram em sorrisos.

Mamãe não andou pela casa buscando saber quem tinha usado de seu shampoo. Nem mesmo fez um bolo para comermos juntinhos num dia qualquer. Tudo só piorou. O quadro dela se complicou. E então ela vôou, pra longe. Em um vôo solo, no qual não era permitido acompanhante(minha vózinha que me disse). Ela foi morar em meio as nuvens. Ela me vigiava lá de cima. Estaria sempre lá pra me ouvir. Ajudar. E proteger.

As vezes eu olhava para o céu, não via nem uma nuvenzinha.

"-Vovó ondee é que a mamãe vaii ficar?? Todas as nuvens sumiram!"

"-Agora a mamãe pode morar no céu também, olha essa imensidão azul, olha o tanto de espaço que tem pra ela ficar. Ela passei por nuvens. E estrelas. Vai até a lua. Ela está tão presente em tudo borboletinha." Foi só minha vovó terminar de falar, pra voz de meu pai tomar o jardim todo.

"-Não diga babozeiras mãe.." Ele estava diferente aquele dia. "-Sua mãe é uma vadia, que nós deixou. Ela nós deixou Vitória. A gente não valia nada NADAA PARA AQUELA VAGABUNDA. ELA DEVIIA TER TENTADO MAIS. TER LUTADO MAIS. TER FICADO MAIS." Meu pai dizia. E eu sentia um misto de dor e raiva em sua voz. "-Tomaraa que ela arda no inferno, ela não tinha o direito de nos abandonar!"

"-Você andou bebendo?" Ouvi minha vó perguntar e me mantive parada na frente do meu pai que a essa altura já chorava feito criança desesperada perdida na feira.

E foi nesse momento que tudo desandou. Ele se tornou um alcoólatra. Ingeria bebidas alcoólicas como se fossem água.

E eu crescia. Um dia ele conheceu alguém. Alguém que o reergueu Léticia o nome dela. Meu pai voltou a ser o profissional respeitado que sempre foi. Os negócios iam bem.

Minha vó faleceu em uma tarde tão triste. E a ultima figura femenina que me apoiava e a qual eu podia me inspirar se foi.

Léticia me odiava. Meu pai colocava todas as suas expectativas em mim. Enfim o terceiro ano do médio chegou, eu já deveria saber o que faria da minha vida, mas eu não sabia. Mas não importava, meu pai já havia decidido por mim. Eu seria advogada e seguiria seus passos, assumindo os negócios da familia futuramente.

Bom, eu sou Vitória Falcão. Tenho 17 anos e sei tão pouco de mim, que é como se nunca tivesse me pertencido.

Pra Me RefazerOnde histórias criam vida. Descubra agora