Capítulo 1 - Madureira

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Rio de Janeiro

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Rio de Janeiro. Calor de Carnaval, gente gritando, bêbados, drogados, bloquinhos e bloquinhos. Não era a melhor noite para um crime, mas quando um crime perfeito seria cometido?

- Ok, vamos repassar isso... - dizia um carequinha, muito mal humorado. - Você estava sozinho... sozinha, perdão. Você estava sozinha em casa e não ouviu nada porque...

Delegacia de polícia, 23h17, terça feira.

- Ah, pela'mor, né? Eu estava me produzindo, ao som de Anitta e da Pablo Vittar. Fora que eu não estava sozinha. A Angela estava comigo no telefone a uns 45min. E, francamente? Do jeito que aquela bicha era escandalosa, nunca que eu iria imaginar que era sério dessa vez.

Santiago entrava naquele momento. Não parecia nada satisfeito segurando algumas fichas policiais nas mãos.

- Sr. Artides... Pode ir embora. Seu álibi confere.
- É "senhora", colega. Meu nome é Pamela.

Os dois se olhavam, hesitando em liberar a singela figura.

- Pamela, pode ir.

Ela se levantava, murmurando sobre como era difícil ter que aguentar aquela situação, como os dois policiais eram machistas, fascistas e homofóbicos. Os dois, entretanto, suspiravam sem forças para revidar ou contra argumentar.

Depois da saída da drag da sala de interrogatório, Santiago colocou os papéis sobre a mesa.

- Pamela falava com a vítima, isso é fato. Temos o áudio fornecido pela operadora e o perito não identificou nenhum som que mostrasse que algo aconteceu.
- E, ainda assim, o legista encontrou marcas de sinais de estupro e três tiros na testa?
- Valmir, não foi nenhuma das cinco drag queens que interrogamos até agora. Acho que já podemos suspeitar de outras pessoas, não acha?

Valmir era rabugento, irritadiço de maneira cômica. Era caricata a sua raiva e seu jeito de falar.

- As fitas da portaria do prédio mostrou alguém trocando uma peruca, exatamente como esses via... esses... essas....

Seu colega cruzava os braços, esperando a conclusão de suas palavras.

- Ahh! Tudo agora é homofobia, Santiago?
- Não, Valmir. Mas atribuir sem explicação que o assassinato de uma drag queen foi causado por outra drag queen é, no mínimo, suspeito de homofobia.
- Só que uma dessas bichas não é nem drag de verdade!! Uma dessas bichas...
- Drag. - o detetive o corrigia.
- Drag! Uma dessas drags é um homem de 30 anos que tentou se vestir como drag e não teve tempo de se produzir.
- Aí você "supôs" que a que você achasse mais desarrumada era a principal suspeita? Sério?

O careca e rabugento policial suspirava após a gritaria. Ele trincava os dentes e olhava para a mesa. Depois olhava para a porta e para o vidro espelhado da sala de interrogatório.

- Tá, Santiago. Deixa o último drag entrar e a gente fecha por hoje. "A última", sei lá. To vendo que esse será mais um caso arquivado...

Santiago dava sinal para o vidro espelhado, sabendo que havia alguém ali os vendo. Quando entrou o último a ser interrogado, Valmir olhou com um flash de esperança.

Era um homem de aproximadamente 30 anos. Diferentemente das outras, este não tinha produção nenhuma além de uma peruca loira. Nem suas roupas, nem absolutamente nada além da peruca.

- "Arquivado" meu rabo. - Valmir sorria.
- Sério? - Santiago desdenhava.

Quando o interrogatório começou, aquele homem parecia meio desnorteado. Não como se estivesse com uma concussão ou tivesse recebido qualquer pancada ou coisa do tipo: o homem parecia perdido.

- Sérgio Pascal. - Santiago lia a ficha em voz alta. - Professor de ensino médio da rede estadual, formado na USP.
- Primeiro lugar em matemática na USP. - Sérgio se gabava, interrompendo.
- Não é uma Engenharia. - Valmir devolvia, recebendo outro olhar de reprovação de seu colega. - Só to dizendo.
- Pela sua ficha, você só ficou em São Paulo pela faculdade. - Santiago continuava. - Como se sustentava?
- Eu... fazia uns bicos como dançarino em uma boate.

"Dançarino em boate" parecia, a Valmir, um termo técnico para "stripper".

- "Sérgio", - o detetive encrenqueiro fazia aspas com os dedos. - por que você estava próximo a cena do crime às 20h25 da noite de uma terça em Madureira, se você mora em Botafogo?

O detetive mais sério se surpreendia com a pergunta. Para aquele horário, mais de 20km de distância de sua casa? "Suspeito" era o mínimo, dada as circunstâncias.

- Eu... não sei. - o homem dizia, mudando, aos poucos, sua feição. - Moço, por favor, eu só quero ir pra casa, tomar um banho ir cedo para o trabalho.

Ele começava a chorar, deixando os dois interrogadores um pouco sem reação.

- Sérgio... - Santiago voltava a seriedade da questão.
- É Holga! - o homem gritava, batendo as mais na mesa.
- Huh.. Certo, "Holga". - o detetive se corrigia. -  O que você estava fazendo tão longe de casa?
- Eu precisei pegar meu remédio. Benzodiazepina. Falei com meu psicológico e ele me pediu para passar aqui na casa dele. Quando eu cheguei, a porta estava aberta e tinha um corpo no chão da sala. - ele/ela falava, chorando.

Sérgio/Holga tomava remédio para ansiedade. A mudança súbita de personalidade intrigava os policiais, de certa forma.

Mas a história não batia com o que a perícia identificava: sinais de arrombamento, filmagem de um homem que bate com a exata descrição do interrogado, as coisas estavam ZERO favoráveis.

Os dois polícias se olharam e perguntaram se o sujeito tinha algum conhecido. Alguns telefonemas depois e... Bingo! Uma suposto vizinha de Sérgio falava ao telefone:

- Olha, é um pouco confuso. Estou indo na delegacia agora. Ele tem TDI. Ele toma remédios para ansiedade, mas uma hora é Holga, outra é Bia, aí é Jaqueline. Essa é a pior...

Valmir ouvia aquilo, se dando conta de que sua noite havia sido condenada a ser longa.

Valmir ouvia aquilo, se dando conta de que sua noite havia sido condenada a ser longa

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