Bambas - Contos de Réis (Parte I)

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Chutou a cadeira e ela voou até o outro lado do bar, acertando e desequilibrando Otávio. O dono do lugar, um português de bigode orgulhoso chamado Jaquim, gritou qualquer coisa e correu para fora, assim como todos que estavam ali.

— Marcelo, não faz isso! —- gritou Patrícia, para aquele com o terno branco, e suspensórios, cabelo penteado para o lado e um fino bigode sobre a boca e pele morena.

Otávio já de pé, trocou olhares com Marcelo e então as mãos foram para os bolsos da calça de linho. A luz do dia brilhou sobre as navalhas e os dois correram para o encontro, a primeira estocada foi do Marcelo, que acertou apenas o ar. Os dois moviam os pés em uma dança perigosa, os sapatos dançavam e levantavam a poeira do bar, Otávio deu dois passos à frente e num movimento rápido, a lâmina mordeu a camisa e colete de Marcelo, que desferiu um soco improvisado lançando Otávio caiu por cima das cadeiras no canto do bar, seu chapéu-palheta, decolou pela porta, dançando com o vento que soprava pela Rua da Carioca, no Rio de Janeiro.

As cadeiras do bar então se levantaram sozinhas e apoiaram sobre elas a generosa cerveja, servida por Jaquim e sua sobrinha, Iolanda. Sentadas à mesa, havia um grupo de amigos se divertindo, entre eles, Beatriz, de vestido longo e uma flor no cabelo, a pele morena e um sorriso largo, feliz. Otávio desapareceu e o lugar se encheu de pessoas e cantoria, o samba preenchia o ambiente, com seu ritmo forte e energia ribombante, sem perseguição, apenas o tamborilar gostoso e a arte se fazendo acontecer.
Subindo a rua, entrou uma turma pronta para continuar o ritmo, trazia instrumentos improvisados, o que tinham à mão. O primeiro a entrar no bar foi o Anão, o gigante de quase dois metros, que tinha cara de poucos amigos e o maior coração que Marcelo já conhecera, ele cumprimentou o amigo que cantava no lugar, já de saída, passou para ele o violão surrado que trazia.

— Já estou sabendo que esse agora é seu, né?

— Meu maior presente nessa vida, vou tirar uma melodia aqui, depois te encontro lá no Noel, pode ser?

O amigo acenou e com dois tapas nas costas se despediu, acendeu seu cigarro e foi pela rua com quem estava com ele, dentre estes, Marcelo trocou olhares rapidamente com o único que nunca tinha visto na área, Otávio, foi descobrir depois.

Quando os seus olhos varreram o lugar e encontraram os de Beatriz, nas mesas ao fundo, largou o violão com o Anão, que ainda aprendendo onde levar os dedos, tropeçou no Marquinhos que tocava na percussão e nem as caixas de fósforos improvisadas ficaram de pé. O samba parou enquanto Marcelo caminhava em direção àquela mulher. Patrícia, amiga da moça, torceu o cenho e se colocou quase em frente à ela como uma espécie de proteção, o restante da turma observa apreensivo, sem ar.

— Jura...

Um grito coletivo de empolgação encheu o lugar e o Seu Jaquim balançou a cabeça em reprovação e sorriso, mesmo com os deslizes do Anão ao violão, Marcelo entoou em voz alta e olhos fixos em Beatriz:

Jura
Jura, jura pelo Senhor
Jura,
Pela imagem da Santa Cruz do Redentor
Pra ter valor
A tua jura,
Jura, jura de coração
Para que um dia
Eu possa dar-te o meu amor
Sem mais pensar na ilusão
Daí então dar-te eu irei
Um beijo puro na catedral do amor

Reparou em como os olhos dela eram brilhantes e pretos, como jabuticabas, depois desceu para o sorriso largo da moça, cheio de ironia:

— O moço canta e dança bem, mas eu prefiro a Aracy, desculpa.

Patrícia torceu os lábios enquanto o Anão segurou o riso, Seu Jaquim foi para fora do bar gargalhar.

— Quem não prefere, não é verdade? Me chamo Marcelo, qual é a sua graça, se me permite?

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