Querida Chuva.

19 0 0
                                    

"Encontrei paz na chuva", poderia afirmar isso cem vezes ou mais, pois essa era a única verdade que não tinha medo de esconder.

Confesso que sempre amei o vento gélido acompanhado das pequenas gotículas de água que caíam do céu cinza.

Para muitos a sensação da chuva lhes traz melancolia, mas para mim a chuva significava serenidade, a água fresca deslizava pelo meu corpo como se fosse a mão de Deus limpando cada pecado grudado em minha carne mortal, como se todas as minhas dores fossem levadas junto a ela.

Transformando-me em alguém puro, mesmo que por alguns minutos, ela lembrava-me minha juventude.

Lembro-me de que adorava brincar em dias de chuva, Vante, meu irmão mais novo, sempre me acompanhava em minhas aventuras, e minha mãe sempre esteve lá para reclamar de minhas roupas sujas de barro e me acolher ao ficar gripado, porém eu não ligava, sempre repetia tudo de novo e de novo, vivendo cada momento simples em nossa fazenda.

Os anos se passavam e a rotina era algo que gostava, contudo a notícia veio a me atingir, em uma carta escrita a mão, soube que meu pai veio a partir.

Assim que meu pai partiu, o olhar alegre de minha mãe desapareceu, com problemas financeiros acarretando por uma responsabilidade que não a cabia, ela veio a adoecer, fadada a tristeza, não demorou para ela se despedir com um beijo em minha testa e fechar seus olhos para sempre.

Eu não tinha ninguém para me advertir por brincar na chuva, a verdade era que eu não queria mais, estava arrasado, não tinha ninguém para rir de meu estado deplorável ou alguém que me dava sopa em dias como aqueles.

Dias assim que só aqueciam meu coração, as lembranças dos dias felizes que tivemos, era refoçada graças a ela, a chuva.

No entanto, eu estava sozinho.

Vante, sempre fora acolhedor e sempre tentava tomar o lugar de meus pais, mas aquilo era patético, eles eram únicos, e bom, ele cresceu e com a maturidade prematura me veio a solidão, pois não tinha ninguém para me acompanhar em minhas brincadeiras.

Somente me sobrou ela.

Agora já adulto, caminhei sobre o solo germinado com cuidado, avaliando o  jardim colorido que construí atrás de nossa casa, depois da morte de meus pais, fiquei  responsável por cuidar do cantinho de minha mãe.

O jardim era um lugar maravilhoso onde eu poderia ler e observar os insetos passando pela abundância de vegetação, tinha dias que desenhava esses insetos por pura diversão, era divertido, me sentia solto e mais calmo ali.

Era bem comum me refugiar na grama molhada e sentir o cheiro do solo úmido, conforme fui crescendo eu peguei mais afeição ao cuidar dali, e bom, minha velha amiga me ajudava quando esquecia de regar a plantas. Tão desastrado.

O clima caótico da guerra, estava começando a nós atingir, meu irmão não parava de treinar, fazia chuva ou sol, lá estava ele treinando, tentando se proteger do inevitável.

Me aproximo dele aos poucos, não nos falamos já fazia dias, eu lhe entendia, quem tem humor quando está sendo pressionado? Óbvio, ninguém.

"— Em guarda cavaleiro de barro." — Falei animado apontando uma espada de madeira na suas costas.

Estava tentando relembrar uma velha brincadeira que tínhamos e ao mesmo tempo me gabar sobre minhas habilidades. Eu me considerava um cavaleiro da água.

Barro era o nível mais baixo dos cavaleiros em nossas brincadeiras.

Até porque sempre que brincávamos eu sempre caía e me sujava, pois não sabia muito bem manusear uma espada.

"— Qual é Hoseok, eu sou o cavaleiro do fogo, não me compare com você" — Disse virando para mim sorrindo de lado.

"— Pois bem cavaleiro, irei lhe derrotar com minha aliada, a água. " — Falei nostálgico, começando a me mover para atacá-lo.

Naquele dia, eu me senti mais vivo do que nunca, não porque consegui derrotar Vante, com muito esforço, diga-se de passagem, mas porque o vi sorrir novamente, não um sorriso forçado que dava aos nossos superiores, mas eu senti que ele, meu melhor amigo, minha inspiração e fiel escudeiro estava de volta.

Naquele dia, eu me senti mais vivo do que nunca, não porque consegui derrotar Vante, com muito esforço, diga-se de passagem, mas porque o vi sorrir novamente, não um sorriso forçado que dava aos nossos superiores, mas eu senti que ele, meu melhor ...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

A verdade que escondia era que, eu odiava ter que me desprender de minhas lembranças, ter que deixar tudo para trás era um erro para mim.  Ali que conheci as melhores coisas, ali que me mantinha em meu mundo ingênuo.

Mas era preciso partir.

Em passos corriqueiros andávamos pela lama, sentia minhas mãos trêmulas, a noite era fria. Eu estava prestes a dar de cara com o meu destino.

Lembro-me bem das palavras de Vante, naquela manhã de inverno.

"— Quando voltarmos, te levarei ao templo nas montanhas, lá é lindo e a chuva parece nunca cessar, então fique bem até lá."

Como queria ter a ingenuidade de meu querido irmão, queria acreditar em suas palavras, mesmo sendo um modo desesperado em me reconfortar, sabia que ele estava mais nervoso que eu, talvez aquelas palavras acolhedoras lhe dessem mais conforto do que a mim.

O som dos disparos eram estrondosos, o campo de guerra era repleto de barreiras e corpos, estes que jaziam no chão frio sem vida.

Meu corpo tremia após ouvir mais uma arma sendo carregada, respirei fundo olhando para o céu, por um instante me deixei ir, o céu estava lindo naquele dia.

A beleza era tanta que me distraiu por alguns minutos, não tive tempo de me preparar.

Os gritos de pavor e dor extrema não me atingiam como aquela bendita bala, que perfurou meu peito sem dó.

Saio de meus devaneios ao ver Vante gritando meu nome em desespero, as lágrimas mesclavam com a água da chuva, seu rosto angelical triste estava repleto de lama e machucados.

— Não ouse morrer, meu cavaleiro do fogo. — Digo em um sussurro, o outro me arrastava contra o chão até um muro de pedra feito para nos proteger.

Ele tentava pedir ajuda, pobre garoto, todos estavam em seu próprio inferno e não poderiam lhe ajudar com o seu.

Meus olhos pesam, mas eu não queria deixar de ver o céu, tão cinza, com suas nuvens carregadas, era tão belo, as gotas de chuvas caíam em meu rosto maltratado, me fazendo cócegas.

Em meio aos gritos e choros eu sorri, não pela desgraça ao meu redor, mas sim porque me senti livre, não que eu tenha um fardo grotesco em minhas costas, poderia estar ciente de que perderia minha vida, mas a chuva, bela e gratificante chuva, me acompanhava em meus últimos suspiros, poderia ser uma cena caótica para quem observava aos prantos, Vante segurava meus ombros e os balançava com força a espera de uma resposta, mas nada.

A chuva acompanhava seu admirador fechar seus olhos aos poucos, ela estava lá para me abençoar como sempre fez, estava lá para me acolher, poderia ouvir a voz de minha mãe reclamando de minhas roupas sujas de lama a doce risada de meu pai, vi Vante sorrir de volta, entendendo a situação, por um instante me senti voltar no tempo e em um clima nostálgico e revigorante, meus olhos se fecharam.

Enfim eu encontrei paz na chuva.

Encontrei paz na chuvaOnde histórias criam vida. Descubra agora