Capítulo IV

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- Fiquei trabalhando no orfanato, limpava o jardim e plantava, cuidava das hortas, consertava telhado, pé de mesa, cadeira, buscava lenha, enfim, fazia tudo o que as religiosas mandavam, tudo para permanecer no local onde Zaira havia suspirado pela última vez. A vida era triste demais sem minha amada. Um dia eu estava molhando as plantas quando uma moça muito linda e estranhamente iluminada apareceu:

" - Que você faz preso dentro desse lugar, cigano?

- Estou trabalhando aqui.

- Você ajuda com as crianças?

- Eu não chego perto dessas crianças, só faço meu trabalho.

- Não chega perto delas por quê?

- Não são problema meu, dona.

- E são problema de quem,cigano?

- De quem são eu não sei, mas não são meu.

- Cigano me dá uma rosa?

- Essas rosas são de mi amor.

- E por que não enfeitam os cabelos de seu amor?

- Ela não está mais entre nós. Eu daria minha vida para vê-la uma última vez." 

- A mulher ficou olhando bem dentro dos meus olhos e disse:

"- Eu sei como você pode vê-la.

- Sabe ? Me diga e farei, eu te imploro. 

- Não é problema meu.

- Eu te suplico, te imploro, por tudo o que é mais sagrado, me diga.

- Sagrado para mim é a vida ciganinho, a vida de ciganos e gajão."

- Assim que a mulher disse isso, ela desapareceu na minha frente.

- Quem era essa mulher, pai?

- Era santa Sara.

Os ciganos aplaudiram.

- Ela foi embora sem dizer como você ia ver a vó?

- Foi sim, mas eu sou esperto, entendi que ela queria que eu cuidasse das crianças daquele orfanato, que eram judiadas diariamente, faltava comida, faltava roupas, faltava pai e mãe.

- O senhor cuidou delas, meu pai?

- Fiz o que podia, ganhava um pouco de pão quando ia levar ou buscar alguma coisa que as religiosas pediam, dividia com elas mas era muito pouco e acabava em briga, aquelas crianças precisavam era de pai e mãe. Eu fiz um acordo com santa Sara, levaria todas elas comigo se visse Zaira pela última vez.

- Todas as crianças, vô?

- Todinhas.

- E santa Sara aceitou?

- Acho que aceitou sim, filha. Dias depois eu estava no povoado para comprar farinha para as religiosas quando chegou uma caravana de ciganos, a música contagiante me lembrou quem eu era e me juntei a eles na dança, dançava feito cigano.

Todos riram, o velho recomeçou:

- Não é que do meio daquele povo uma moça veio bailando e quando chegou perto eu vi que era minha cigana, minha Zaira? Ali mesmo eu a abracei e agradeci santa Sara.

- E depois vô?

- Ela explicou que trabalhava na casa de uma dama rica, a mulher ficou tão comovida com nosso encontro que a liberou com alguns presentes. Eu contei sobre o encontro com santa Sara e ela me disse que eu devia ir buscar as crianças.

- Você buscou as crianças vô?

- As religiosas não deixaram, as coisas estavam melhorando e elas recebiam donativos por cuidarem daquelas crianças. Mas eu tinha dado minha palavra e minha palavra também tinha o peso do ouro. 

- E o que o senhor fez, vô?

- Eu pedi ajuda a santa Sara. Zaira comprou duas carroças e quatro cavalos com os presentes que tinha recebido, levou para a estrada e durante uma noite de lua nova eu voltei ao orfanato, as crianças que quiseram ir embora, eu ajudava a pular o muro, por algum milagre as religiosas não acordaram. Quando tinha tirado as crianças, fomos para as carroças e lotamos as duas, fomos para bem longe dali.

- Era muita criança, vô?

- Eram essas:- o velho esticou as mãos para os adultos que choravam ao se recordarem da própria história.

- Nossos pais eram gajão?

- Não, eles eram ciganos só não sabiam. Eram todos filhos de santa Sara.

Zaira levantou-se e caminhou até Miro;

- Sabiam sim, mi amor, se não sabiam na mente, sabiam no coração.

Os dois sorriram e trocaram um breve selinho. A música cigana voltou a ser tocada e todos começaram a dançar e a cantar sob as bençãos de santa Sara.



Mi amores: presente para vocês de um coração gitano. Optchá!!!!!!!!






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