Adeus Kadath

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Olho pela janela, minha mala estava ao lado do guarda-roupas. Talvez, aquela seria a última visão que teria de Kadath. Fico a pensar como será minha vida longe daqui, sou apenas um adolescente indo para uma cidade onde conheço apenas meus parentes. Respiro fundo e encaro o quadro de Marquet em minha parede.
Finalmente, era a hora de ir, o táxi já havia parado lá fora. Pego minhas coisas e desço as escadas lentamente. Chegando ao táxi, fico encarando a porta. A ficha de que iria sair da cidade onde nasci e cresci ainda não havia caído. Tomo coragem e entro no carro, logo fico a pensar nas minhas amigas, Lilith, Florence e Julie e nos bons momentos que tivemos juntos. O taxista me faz acordar de meu devaneio, trazendo-me para a realidade.

- Olá, bom dia - diz ele de forma calma e educada - Para onde iremos?

- Oi? Que? O senhor falou comigo? - digo ainda confuso e com minha cabeça pensando - Anh.... Iremos para o aeroporto.

O taxista dá partida e eu olho pela janela. Observo a paisagem passar e nas coisas que vivi em esta cidade. Ela certamente irá me perseguir em minhas memórias eternamente.

Depois de algum tempo, passo pela placa "Você está deixando Kadath", aquilo aperta meu coração, pois eu sabia que tinha acabado minha história nessa cidade.

Mas tudo bem. Já havia ido. Eu já estava no aeroporto, não havia como voltar. Já havia contatado minha tia. Após sair então do táxi, caminho lentamente para fazer o check-in. Após o check-in despacho minhas malas, então vou em direção a cabine do Starbucks e peço um café expresso com leite.

Era o meu favorito. Lembro de quando ia no centro da cidade com Florence depois das aulas apenas para tomar o café de lá. Tinha um sabor especial, sabor de lar. Mas já havia ido e estava tudo bem. A conformidade me dominou agora. Eu já estava no aeroporto, não havia como voltar. Já havia contatado minha tia. Mas eu não conseguia parar de pensar que infelizmente aquele seria meu último café em Kadath. O que me acorda do meu devaneio é a fala que sai das caixas de som: "Stuckyville, BC, Canadá. Portão de embarque 3. Stuckyville, BC, Canadá. Portão de embarque 3".

Era a hora de ir. Não estava errado em momento nenhum em ir embora da cidade que tanto me fizera sofrer, mas era como se parte de mim estivesse ficando para trás. Caminho em direção ao avião, onde procuro meu assento e sento-me. Apoio minha cabeça na janela e ali mesmo adormeço.

Depois de algum tempo, a voz do capitão ecoa por toda aeronave: "Senhores passageiros fiquem calmos, uma parte do avião está com defeito, teremos que fazer um pouso não programado em Montana". Isso foi o suficiente para fazer meu coração, já abalado pelos acontecimentos anteriores, começasse a pular, como se quisesse sair pela boca.

A situação piora quando máscaras de oxigênio caem à minha frente e a aeromoça começa a explicar como usá-las. Eu não posso morrer. Não agora. Sinto muito medo pois a tragédia me persegue, mas mesmo eu saindo da maldição que era aquela cidade? Impossível. Logo o avião começa a pousar lentamente, a aeromoça explica.

- Por favor, mantenham a calma e respirem lentamente. - diz ela, como se fosse fácil respirar lentamente com o avião caindo - Ocorreram problemas técnicos no motor do avião, mas fiquem tranquilos. A empresa disponibilizará almoço e hospedagem para todos.

O senhor ao meu lado vira em minha direção e revira os olhos.

- Essa é a segunda vez que eu tenho problemas com essa companhia. - explica ele - Mas minha esposa trabalhou aqui durante 20 anos, então não posso deixá-la.

Reflito sobre o que fez ele se dirigir a mim ou o que aconteceu à esposa dele. No entanto, não tenho tempo de perguntar. A aeromoça passa ao nosso lado pedindo para que nós nos levantássemos e nos dirigíssimos ao ônibus.

O avião havia pousado e teríamos que sair. Que inferno, eu estava querendo chegar em Stuckyville o mais rápido possível.Eu estava morto de fome, nunca gostei de comidas de avião, tenho péssimas lembranças com isso (quando eu era menor, fui visitar meu avô em Los Angeles e quando fui comer, tinha um bicho, aquilo me deixou traumatizado eternamente). Entrei no ônibus que a empresa havia disponibilizado. Ele nos levaria até o hotel mais próximo para então, continuarmos nossa viagem. Isso era uma droga, pois eu tinha comprado uma passagem mais cara justamente por ser sem escalas. Mas tudo bem. Eu chegaria logo em Stuckyville.

No caminho, eles nos explicaram que só iríamos voltar a viajar à noite e que por enquanto, teríamos que ficar por aqui. Eles iriam pagar hotel e tudo, mas o que faria eu em uma cidade tão pequena como esta? Eu estava morto de fome, talvez uma noite em uma balada ou ir em um restaurante seria uma boa, mas não conheço ninguém, ficaria um pouco monótono.

Resolvo então ir à cafeteria do próprio hotel. Não era um Starbucks, Coffee California talvez. Mas nada comparado ao franpuccino que só o Starbucks tem.

Minha tia gostaria de tomar um café forte como esse. Ah, minha tia. Lembro de avisar minha tia Margaret, pois ela ficaria preocupada com minha demora. Pego meu telefone e ligo para ela.

- Alô, tia? - pergunto quando ouço que o outro lado da linha havia atendido - A senhora está aí?

- Oi, Harry. - diz ela com a voz em um tom preocupado - O que aconteceu? Você já deveria estar aqui.

- O avião quebrou, tia, provavelmente vou demorar um pouco para chegar no Canadá. - digo tentando enrolá-la - Talvez só amanhã.

- Tudo bem, meu filho. Se cuida, sim? - diz ela que não ligou muito. Minha família é muito fria, eles não se preocupam muito em saber o que aconteceu, desde que você esteja bem. Digo então um "Adeus" e desligo meu celular.

Bebo aquele café pensando em Kadath, mesmo não tendo nada parecido. Era hora de superar então. Subo para o quarto após deixar o café pendurado na conta da empresa (ninguém mandou quebrar o avião) e resolvo dar um cochilo. Era hora de descansar, havia acontecido muita coisa até agora. Me deito na cama, e me cubro com um manto quentinho.

Estava tudo bem, até eu acordar assustado ao ouvir gritos, alarmes e um cheiro incessável de fumaça. O prédio estava pegando fogo.

LobosOnde histórias criam vida. Descubra agora