6

65 2 0
                                    


                                       
Por enquanto o jantar está indo bem, o que é um pouco estranho. Se alguém nos visse agora diria que somos a imagem de família perfeita. Irônico não? Queria que essa imagem fosse mesmo a verdadeira.

-- E como vai a escola filha? – papai pergunta se dirigindo a mim e tenho de olhar para os lados para ter certeza que é mesmo comigo – Roberta?

-- Está mesmo falando comigo? – questiono ainda confusa.

-- Claro filhinha – um sorriso falso estendeu por seu rosto um pouco enrugado – tanto que chamei seu nome.

Vejo-o revirar os olhos discretamente.

-- Oh, desculpe – digo com sarcasmo – não tinha certeza já que nunca dirigiu uma palavra para mim a não ser insultos, papai – inspiro fundo antes de continuar – estou indo bem no colégio. Tiro sempre as melhores notas da sala e sou boa em praticamente todas as matérias – lanço aos meus pais meu melhor sorriso debochado.

-- Estou muito orgulhosa de você querida – os olhos de vovó transbordam alegria.

-- Que bom filha – disse papai com a mandíbula cravada – mas não fez mais que sua obrigação.

-- Otávio – repreendeu vovó fuzilando-o  então encarou Sofia – e você Sofia, como estão indo seus estudos?

Conti um sorriso pois sabia a resposta para aquela pergunta. Sofia era muito boa em se socializar e liderar seu time de torcida mas quando o assunto envolvia estudar e tirar notas boas a popularidade não vinha muito a calhar.

Observando sua expressão nervosa percebo o quanto estou sentindo pena dela neste momento, mesmo que nem isso ela mereça de mim.

Com o olhar aflito ela pede o apoio de nossos pais e mamãe toma a frente da conversa.

-- Claro que Sofia vai bem na escola! Tira boas notas e é muito popular entre os colegas. Diria que se destaca na multidão, não é filha? Diferente de Roberta que é invisível aos olhos de todos. Uma nerdzinha excluída e insignificante.

-- Uma pena que eu não tenha feito a pergunta para você não é querida? Acho que sua filha tem boca e voz para me responder ela mesma – vovó respondeu olhando para mamãe e então voltou a encarar Sofia – me diga a verdade meu bem, como estão suas notas?

Minha irmã desviou o olhar e ficou com as mãos inquietas. Acho que não sabia o que fazer a não ser contar a verdade.

-- Algumas notas estão boas – ela encara vovó e fica vermelha ao confessar – mas outras estão bem abaixo da média.

Vovó Beatrice encara Sofia e balança a cabeça claramente decepcionada.

-- Estou muito decepcionada com você Sofia – começa vovó – achei que desde nossa conversa você teria me ouvindo e melhorado seu comportamento. Mas pelo que vejo você não tem responsabilidade com suas obrigações. E isso me faz reconsiderar a respeito dos negócios da família – ela encara todos a mesa por cima dos óculos com o queixo apoiado das mãos – Roberta vem demonstrando ser mais responsável e respeitável que todos vocês juntos. Então a partir de hoje nomeio Roberta minha nova herdeira.

-- O que? Isso é um aburdo! – reclama mamãe – você não pode fazer isso. Temos um acordo assinado desde que Sofia nasceu! E ela tem muito mais responsabilidade que essa ai – ela apontou para mim indignada – Sofia é a primogênita e por direito a herança deve ir para ela.

-- Assim como Roberta tem o direito de ter uma família que a mereça? Assim como ela tem o direito de ir e vir quando quiser? Assim como ela tem o direito de namorar e ter amigos sem alguém a humilhe? Como também é direito dela receber a mesada que mando todo mês para ela e vocês escondem dela? E como ela tem o direito de ter ser tratada como a irmã na própria casa? – questionou irritada e então se virou para seu filho – me responda filho?! Me responda seu m*rdinha!

Um silêncio absoluto se instalou no ambiente. O único som que conseguíamos ouvir era do latido de Ruffos o vira-lata da nossa vizinha Sra. Amélia.

Decidindo acabar com aquele constrangimento me levantei e recolhi os pratos para coca-los na pia e aproveitei para pegar a sobremesa e servi-la.

-- Quem vai querer sobremesa? - pergunto – Vozinha fiz aquela torta de frango que a senhora tanto gosta e também aquele bolo de milho com a receita especial da Bisa que você me deu – sorri para ela que pareceu relaxar um pouco e então lançou um olhar furioso para o filho antes de sorrir docemente de volta para mim – Vai querer um pouco?

-- Claro meu amor!

Sirvo o bolo com sorvete e a torta para cada um a mesa e todos terminam a sobremesa em silêncio. Vovó Beatrice elogia a comida e diz estar um pouco cansada e se retira para descansar no quarto de hóspedes. Pegando a deixa meus pais também se retiram da mesa e se trancam no quarto. Sobrando apenas eu e Sofia que me encara do outro lado da mesa com ódio.

Me sirvo de mais um pedaço de bolo e dou uma mordida enorme antes de Sofia começar a falar:

-- Espero que esteja feliz encosto – ela se levanta e dá a volta na mesa para sussurrar no meu ouvido – você só traz desgraça e desgosto para nossa família. Não venha ficar se achando só porque é a preferidinha da vovó – seu tom começou a soar ameaçador – se não fosse por ela você nem estaria aqui. E juro que se você não convencer a vovó a me reeleger sua primogênita e me entregar a herança que por direito é minha, vou fazer da sua vida um inferno! – ela se levantou e derrubou um copo cheio de suco propositalmente no chão – Ops! Não vi esse copo ai. Limpe toda essa sujeira já que é só para isso que você serve.

Meus olhos começam a ficar úmidos e lágrimas silenciosa escorrem pelo meu rosto. Limpo-as com as costas das mãos e respiro fundo antes de me abaixar e recolher os cacos do copo quebrado. Corto meus dedos no processo mas apenas ignoro a dor e termino de limpar toda a cozinha.

Quando olho no relógio vejo que faltam dez minutos para dar 1h da manhã. Já está tarde e amanhã tenho que acordar para estudar então subo para meu quarto. Mas enquanto caminhava pelo corredor escutei as vozes de meus pais discutindo e ouvi meu nome sendo citado, então parei para escutar o que podiam estar falando de mim.

Encostei meu ouvido na porta do quarto deles.

-- Que ódio, Otávio! – grita mamãe para papai – aquela garota não tem limites. Tem que nos deixar constrangidos e humilhados na frente da sua mãe toda vez que ela vem aqui? Isso é tudo culpa sua, sabia? -- como a porta está entreaberta vejo ela jogando um travesseiro nele.

-- Minha culpa? – seu tom de voz é incrédulo – pelo que me lembro você estava gostando e por nenhum momento quis parar, na verdade implorava por mais. E a culpada aqui é você por não tomar pílula e não aceitar abortar o bebê enquanto ainda dava tempo!

Aborto? Eles tinham considerado mesmo me abortar? Então fui só um acidente desagradável e indesejável?

Senti todas as lagrimas acumuladas durante os anos começarem a transbordar de meus olhos.

-- Não me venha com isso de novo Otávio! Já pedi desculpa e me arrependo de não ter tomado a maldita pílula. E sua mãe estava me vigiando, como poderia abortar? – rosna ela brava – teríamos conseguido nós livrar dessa pirralha se sua mãe não a tivesse visto na caçamba de lixo naquele dia! Ainda bem que fomos espertos em arranjar uma desculpa dizendo que alguém havia roubado o bebê de nos. Mas agora nossos planos para arrancar o dinheiro daquela velha estão arruinados graças aquela pentelha inútil.

Então... eles tiveram a coragem de me jogar no lixo? Um bebê indefeso no... lixo? Oh Deus, ainda bem que tenho minha avó pois sem ela talvez nem estivesse viva!

Sem conseguir ficar ali para escutar o resto da conversa corri até meu quarto e fechei a porta com força. Fiquei deitada na cama chorando pelo que pareceram horas. Por fim me levantei passei uma água no rosto para limpar as lágrimas e vesti um pijama para dormir confortável. Mas quando voltei a me deitar não consegui conter as lágrimas que caíram até que eu dormisse.

[×××]

Acordo assustada com o toque do despertador. Preguiçosamente me arrumo para ir para a escola contra vontade. Mas não posso faltar já que não fui ontem. Mas se não fosse pela escola e meu trabalho no período da tarde eu ficaria na cama a semana toda.

Tomei um banho rápido, me troquei e peguei minha mochila e desço as escadas com pressa. Vejo todos sentados a mesa, exceto vovó Beatrice. Ignorei-os enquanto pegava um pacote de salgadinhos e uma garrafinha de água e guardei na bolsa para comer depois. Sem dizer nada saio de casa e caminho até a escola. Não consigo nem olhar na cara deles depois do que ouvi ontem.

Como de costume estou com meus fones de ouvido e MIIA de DYNASTY explode em volume máximo em cada fone enquanto me aproximou da escola. Assim que passo pelos portões sinto os olhares de julgamento e dedos apontarem para mim mas sigo reto até meu armário ignorando todos esses idiotas que não tem o que fazer.

Mas paro de repente quando vejo Lindsay escorada na porta do meu armário e já sei o que significa. E o que está por vir não será nada bom.

[×××]

(NOME DA MUSICA : MIIA -DYNASTY)

A vida de uma excluída Onde histórias criam vida. Descubra agora