A noite de sexta-feira havia começado.
Temeluch estava sentado no alto de um prédio, vigiando as crianças que brincavam na calçada da Avenida Paulista enquanto seus pais se distraiam durante uma conversa em uma cafeteria. Era esse o seu trabalho há cerca de dois mil anos. Tinha sido criado com o propósito de proteger os filhos de Adão e Eva, assim como seus descendentes.
O anjo já tinha lutado em guerras celestiais, treinado outros anjos guardiões menores, resguardou crianças que trabalhavam iguais adultos com sérios riscos de se machucarem ou iam para guerras, mas agora seus serviços se resumiam na maior parte do tempo em proteger crianças cujos os pais conversavam sobre o campeonato paulista de futebol e não prestavam atenção em seus filhos.
Ele sentia-se entediado.
Até uma outra criança chegar para brincar. No mesmo instante, ele ficou atento. Era uma menina que emanava uma aura diferente das outras. Raios de luzes dourado com vermelho se espalhavam em ondas por volta de seu corpo, diferente das outras crianças que cintilavam por tons apenas dourados.
A menina devia ter por volta de três anos de idade, vestia o uniforme da escola assim como as outras crianças, tinha seus cabelos amarrados em rabo de cavalo. Ela e as outras crianças ficaram brincando por um bom tempo de pega-pega. Até que a mesma menina sugeriu brincarem de pique-esconde.
– Não vão para longe. – com a sua audição aguçada, Temeluch ouviu uma das mães falar.
– Brinquem apenas nessa calçada. – completou outra.
Entretanto, igual a muitas crianças, a menina de aura diferente não os escutou.
– Um, dois, três, quatro...
Enquanto uma das crianças com a cabeça encostada nos braços, que estavam apoiados na parede da lanchonete ao lado, contava e, outras se escondiam em lugares próximos, a menina teve a brilhante ideia de se esconder depois da esquina.
Foi quando Temeluch identificou uma mulher chegando rapidamente atrás dela. E a ação do anjo não foi tão rápida como deveria ser. Naquele momento, o anjo retirou do seu corpo o sobretudo preto que vestia e suas asas se esticaram. Enquanto isso, a mulher corria velozmente segurando o corpo caído da criança em seus braços.
O anjo mergulhou de cabeça com suas asas fechadas e, próximo ao chão, planou. Depois deixou com que seu corpo tomasse novamente altitude e seguisse na linha horizontal por cima dos carros, enquanto batia suas asas e sentia o vento forte vindo delas. Ele observou a mulher entrando dentro de um bueiro, seis quarteirões do local onde havia raptado a garota. Tão rápido que um olhar humano não perceberia.
Temeluch mergulhou novamente de cabeça e perto da calçada, jogou seu quadril para frente, deixando com que suas pernas tocassem o chão. Ele pousou já correndo e foi direto abrir a tampa do bueiro. Depois pulou dentro da escuridão.
O cheiro de esgoto entrou pela sua narina, acompanhado do odor de carne podre: sangue estragado, ele pensou. Conseguia ouvir o tinido dos ratos se misturando ao som de pegadas. Ele seguiu o barulho, intercalando entre esquerda, direita, seguindo reto até o fim de um corredor com um buraco circular na parede, um córrego fraco.
Ao lado direito havia outra entrada, ele chegou próximo e viu que também era sem saída. A menina estava ainda desacordada, esticada no chão no canto do local. Ele adentrou.
Sentiu na hora uma dor nas costas e seu corpo foi jogado na parede. Sua cabeça rodou, enquanto ficava de frente para a porta. Por entre sua visão embaçada, ele viu a mulher.
– Pensou que eu não tinha te visto, querido. – ela falou.
A visão do anjo voltou ao normal, mas sua cabeça doía. Sempre que isso acontecia, sentia-se horrível em ser tão forte e ao mesmo tempo precisar vivenciar essas dores. Era isso que fazia com que os anjos sentissem empatia por humanos.
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Temeluch
FantasyEsse conto é uma história que se passa antes de Solstícios e Equinócios. É sobre Temeluch, que foi criado há cerca de dois mil anos atrás para proteger os filhos de Adão e Eva, assim como seus descendentes. Mas agora, ele se via entediado na Avenida...