Capítulo I

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Seul brilhava. Era uma data especial, mas as estrelas não tinham como saber disso: brilhavam por mero acaso. A teoria de que o governo jamais conseguira de fato limpar a atmosfera a ponto de as estrelas poderem ser vistas outra vez no céu de Seul era meramente conspiratória, afinal, como alguém inteligente argumentara certa vez, se as estrelas que brilhavam sobre a Coréia todas as noites fossem luzes fabricadas pelo homem, por que brilhariam para todos e não para o pequeno montante de privilegiados? Afinal, ninguém jamais hesitara em privar os pertencentes à camada mais baixa da esfera social do que quer que fosse, e se não o faziam com as estrelas é porque claramente não tinham controle sobre elas.

De qualquer modo, o apontamento de que o destino estava mais uma vez "a favor" dos Brancos e até mesmo as estrelas brilhavam mais quando lhes era conveniente era um pensamento que só poderia vir de alguém que tivesse a capacidade de analisar a situação como pleno conhecedor dos dois mundos — o modo mais realista de classificar aquela sociedade dividida dicotomicamente em extremos —, e a verdade é que ninguém jamais seria capaz de atingir tamanho grau de compreensão daquele sistema social pertencendo a qualquer um de seus polos.

De um lado haviam os Betas, os Brancos, os privilegiados, e do outro haviam os Vermelhos, os Alfas e Ômegas, os selvagens, a escória, sendo evidente também que estas eram concepções muito rasas para definir os grupos, mas nestes casos não se pode subtrair do discurso o pano de fundo de seu locutor, de maneira que o maniqueísmo presente na argumentação de Brancos e Vermelhos fica esclarecido como um reflexo de dois nichos sociais que cresceram numa espécie de silencioso enfrentamento — um ódio hereditário —, sempre culpando um ao outro por tudo de ruim que ocorria, uma vez que este seja um reflexo natural do ser humano em qualquer época: ele alivia sua dor no ato de incumbir a culpa dela a algo ou alguém, e é mais fácil culpar algo que não conhecemos o suficiente para se ter empatia por. O fato era esse, ao fim de tudo: eles não se conheciam.

Os motivos que levaram ao distanciamento de Vermelhos e Brancos eram complexos e obscuros demais, mas o resultado de quaisquer que tenham sido esses eventos nos traz ao cenário atual, onde a sociedade vigente atingiu tamanho grau de bipolarização que até mesmo as trivialidades do dia a dia, como a música que toca na rádio ou o ícone juvenil do momento não eram os mesmos. As informações que chegavam aos Brancos não eram as mesmas que chegavam aos Vermelhos e as oportunidades de um estavam longe de ser as do outro. As prioridades não eram as mesmas, e tudo isso afetava cada aspecto da vida dos indivíduos, lentamente os encaminhando para a manutenção de um ciclo de constante e infindável distanciamento da _outra metade._ E enquanto um Vermelho sequer poderia imaginar quem era Bang Chan, a totalidade dos adolescentes Brancos o conhecia, fosse de nome ou pessoalmente, e a maior parte deles ou queria ser ele ou o queria em sua cama. Se Bang Chan poderia fazer o brilho das estrelas se intensificar, disso não havia provas, mas que ele poderia fazer os olhos de uma garota brilharem dez vezes mais só de sorrir para ela, isso era certo.

Ser um Bang, começando por aí, já era um privilégio. Não porque fosse uma família de seres humanos maravilhosos, mas porque eram podres de ricos. Talvez mais podres do que ricos, mas essa parte também dependia do lugar de avaliação. Se você fosse um Beta, o que configurava os Bang como pessoas de caráter duvidoso não faria muita diferença, afinal, quase que a totalidade dos Brancos compartilhava dos mesmos pensamentos. E isso não significa que todo Beta fosse ruim — apenas que a maior parte deles era privilegiada demais pra conseguir enxergar além de seus privilégios. Bang Chan era assim. Uma pessoa virtualmente boa, se quer saber, mas longe de ser um diplomata.

Não havia como culpar o rapaz por seu comportamento em muitos aspectos, entre eles porque todo grupo social tem seus maneirismos, idiossincrasias, preconceitos, e quanto mais fechado o núcleo, quanto mais polarizado o sistema social, menor a abertura dos grupos que o compõe em diferentes camadas às ideias e características dos outros grupos. Bang Chan crescera naquela guerra fria, ouvindo sobre Vermelhos como estes eram vistos pelos olhos dos Brancos, conhecendo deles somente o que o sistema educacional precisava para embasar a genuína repulsa dos Betas para com Alfas e Ômegas.

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⏰ Última atualização: Mar 07, 2019 ⏰

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