1- A senhora Paulina

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   Paulina Harrington entrou apressada na cozinha, contrariando seus hábitos, pois não tinha pressa para nada. A nova empregada Nacy, que lavava os pratos, ouviu a patroa chamá-la:
   -- Nancy!
   -- Senhora! - respondeu a empregada, sem parar o trabalho.
   -- Nancy! - repetiu Paulina com voz severa. - Quando eu chamar, deixe tudo o que estiver fazendo e preste atenção.
   -- Desculpe, estava acabando de lavar a louça. A senhora mesma mandou que eu fizesse isso.
   -- Não quero explicações, mas atenção - replicou a patroa.
   -- Sim, senhora - disse Nancy, que jamais sabia o que fazer para agradá-la.
   Nancy nunca havia trabalhado fora de casa, até o dia em que perdeu o pai. E com a mãe doente, teve de se empregar para ajudá-la. Veio para a casa da senhora Paulina Harrington, herdeira de uma das mais ricas famílias da cidade. Em dois meses de convívio já conhecia o gênio da patroa: qualquer coisa a irritava e jamais se mostrava satisfeita, nem mesmo quando tudo corria bem.
   -- Quando acabar o serviço - disse Paulina - limpe o quartinho do sótão. Arrume a cama, faça tudo com cuidado e não se esqueça de retirar as coisas e malas que estão lá.
   -- E onde ponho as malas?
   -- Lá mesmo no sótão, mas fora do quarto -, depois de um instante, continuou: -- Minha sobrinha, senhorita Poliana Whittier, vem morar aqui. Tem onze anos e ficará no quartinho.
   -- Vai ser ótimo! - exclamou Nancy, lembrando-se das irmãzinha.
   -- É...talvez... - resmungou Paulina. -- Não é bem o que penso... Mas como dou importância a parentesco e sei cumprir minhas obrigações, tenho de fazer por ela o que for preciso.
   -- Sim, senhora - Nancy ficou meio sem graça. -- A casa ficará mais alegre com a menina, a senhora vai gostar.
   -- Obrigada - disse secamente a patroa. -- Não sinto muita necessidade disso...
   -- É claro que a senhora vai gostar da menina, sua sobrinha - disse Nancy, já pensando em criar um ambiente agradável para a mocinha que ia chegar.
   -- Ora! - resmungou Paulina. -- Só porque minha irmã teve a triste idéia de se casar e pôr no mundo mais uma criatura, não há razão para que eu goste dela. Enfim, como conheço minhas obrigações... Agora, trate de arrumar o quarto, ouviu?
   -- Sim, senhora - respondeu Nancy, voltando ao serviço, enquanto Paulina com arrogância saía da cozinha.
   Já no quarto, Paulina releu a carta que receberá dois dias antes e que tanto aborrecimento lhe causara.

Cara Senhora:
   Sinto muito informá-la que o Reverendo  João Whittier morreu duas semanas. Deixou uma menina de onze anos e poucos livros. Como a senhora sabe, o reverendo era pastor de uma humilde paróquia e ganhava apenas o suficiente para o seu sustento e o da filha.
   Como ele foi casado com a sua irmã, falecida, tomei a liberdade de consultá-la sobre a possibilidade de encarregar- se da educação da menina, ainda que as relações entre as duas famílias estejam estremecidas... Eis a razão desta carta.
   A menina está pronta para viajar e, se a senhora estiver de acordo, gostaria de receber instruções o mais depressa possível. Conheço uma família que seguirá em breve para Boston e poderá levá-la, colocando-a depois no trem de Beldingsville. De qualquer modo, a senhora será avisada da partida e do trem em que Poliana seguirá.
   Aguardando sua resposta, subscrevo-me atenciosamente,
                                 Geremias O. White

   Paulina tornou a guardar a carta no envelope, com a testa franzida. Havia respondido a carta, concordando com a vinda da menina, mesmo não gostando nada dessa situação, tinha de cumprir seu dever.
   Lembrou -se de Joana, a irmã mais velha, mãe de Poliana. Joana tinha se casado com apenas vinte anos, contrariando a família. O marido era pastor, com muito entusiasmo pela missão e pouco dinheiro no bolso. Por ele, Joana desprezara um bom pretendente, com quem a família simpatizava: mais velho que ela porém muito rico. Joana tanto teimou que acabou se casando com o pastor. Foram morar no Oeste, e passou a viver o dia-a-dia de uma esposa de um missionário pobre.
   Foi assim que as famílias cortaram relações. Paulina, a caçula das irmãs, se lembrava de tudo, apesar se ter apenas quinze anos na época. De vez em quando, recebia cartas do Oeste. Joana havia comunicado o nascimento de Poliana, batizada com este nome em homenagem às irmãs Paulina e Ana. Na última carta, contara com o haviam morrido os outros filhos. Em outra carta, enviada pelo pastor, anunciava que Joana morrera. E agora era o pastor que acabava de morrer, deixando Poliana. Olhando para o extenso vale, Paulina recordava acontecimentos daqueles vinte e cinco anos.
   Pensativa, agora, com quarenta anos e... sozinha. Pais, irmãs e parentes já tinham falecido, tornando-a única herdeira da fortuna da família. Os amigos, com pena da solidão em que ela vivia, aconselhavam-na a arrumar uma companhia. Ela resistia, dizendo que gostava de ficar só. Agora, porém, a situação era outra.
   Paulina assumiu um ar de decisão, os lábios comprimidos. Estava contente consigo mesma: era mulher de princípios morais rígidos, cumpridora de seus deveres, mesmo que fossem desagradáveis. Tinha bons sentimentos. Mas... Poliana! -- que nome ridículo...

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