Heloísa - A magia das mulheres (Laura Cosette)

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Logo onde a travessa do Arco encontrava a rua da Luz, à direita, havia uma porta.

Uma porta estreita, comprida, que dava direto para uma escada.

A porta passava praticamente despercebida, devido ao comércio intenso da região e às lanchonetes-copo-sujo, que orgulhosamente (e felizmente para meu estômago) vendiam coxinhas, pastéis e caldo de cana.

A única coisa sobre a porta, que atraía a atenção de um ou dois curiosos, eram as imagens do sol e da lua entalhadas no batente. E era ao passar por ele – pelo batente – e subir as escadas apertadas, que se chegava à Três Luas, a loja da minha avó, de artigos de bruxaria, simpatias e amuletos da sorte.

Aquela loja era um mico total: ninguém ia lá porque acreditava naquelas baboseiras. Geralmente, os clientes eram mulheres, meninas adolescentes como eu, que pegavam as bolas de cristal e cartas de tarô e ficavam rindo umas para as outras, achando tudo uma piada. Eu também achava, que fique claro. Por mais que minha avó sempre tentasse me arrastar para o misticismo, para seus rituais Wicca, as invocações usando velas e as noites imitando chiados de gato, eu me recusava. Éramos muito próximas, vovó e eu; fazíamos quase tudo juntas, mas uma garota tem seu limite – e o meu era aquela patacoada de magia.

Quer dizer, isso até que eu destroçara minha bicicleta – em um incidente envolvendo sorvete, sapatos de palhaço e meu melhor amigo – e precisara de dinheiro para consertá-la.

Então agora, mesmo ainda detestando o sobrenatural (e espantando clientes com minha careta de tédio), eu era Heloísa Dantas: uma das únicas funcionárias da Três Luas, a seu dispor.

Eu disse "uma das únicas funcionárias" porque, desde que eu entrara, havia mais um. E o outro era...

Acordei dos meus devaneios, debruçada sobre o caixa, quando Miguel chegou tossindo ao meu lado. O idiota tinha me ignorado a aula toda porque estava ocupado fazendo trabalho com sua amiguinha Nath, e, no segundo em que chegamos à loja – e eu achei que poderíamos conversar –, o sininho em cima da porta tocou, anunciando entrada de clientes. E nem eram clientes quaisquer. Eram meninas da nossa escola, umas bonitinhas de outra turma, que disseram ter ouvido falar bem da Três Luas.

Assim que elas lamberam Miguel com os olhos, de cima a baixo, soube do que elas tinham ouvido falar bem.

Afinal, além de meu melhor amigo, o rapaz era o diacho de um galã. A principal atração da lojinha.

Era mais chamariz para dinheiro do que os galhinhos de arruda, que vovó deixava espalhados pelos cantos.

Guel ainda tossia, teatral e exagerado, quando rolei os olhos. Ele percebeu a deixa para se explicar:

— Uau, desde o primeiro horário estou sentindo o fedor de manjericão, ovo cru e alecrim. Pensei que fosse o professor Rômulo, do laboratório, mas Helô do céu! — Passou a mão na frente do nariz, mais claro impossível, enquanto as clientes observavam os prismas de água e os cristais coloridos.

— Não toquem nos cristais! — gritei a regra besta da minha avó, chamando a atenção das meninas, antes de me voltar para Miguel: — Ora, "Arcanjo Guerreiro" — chamei-o pelo codinome estampado em seu crachá. Ágata Dantas, também conhecida como vovó, era mesmo uma mulher criativa. Quando ouvira que meu amigo também queria um trabalho na loja, não demorara para arrumar aquele apelido. — Bom saber que você reparou em mim. Pensei que a Nathália tivesse ocupado todo o seu dia.

— Com ciúmes, Heloísa? — perguntou em tom de brincadeira. Seus olhos castanhos, aconchegantes como uma fogueira em dia frio, brilharam para mim. Guel usava uma camisa polo preta, o único uniforme exigido por minha avó, e seus músculos estavam delineados, incríveis; a camisa repousando sobre a pele de forma ideal.

Heloísa - A magia das mulheres (Laura Cosette)Where stories live. Discover now