Araucária (PR)— João Onesko é hippie, planta flores e transforma geladeiras em fontes de leitura
Ver a imagem de João Eldes Onesko, o La Bamba, saindo de um corredor minúsculo, com os braços erguidos, dizendo "Ei, Primo, como está?" (e ele chama todo mundo de primo) são como o dínamo para uma viagem a uma Woodstock imaginária. Uma Woodstock cuja aura hippie parece ter escolhido residir na cidade de Araucária, região metropolitana de Curitiba. "Veio conhecer as geladeiras? Fique à vontade!", grita ele, com um sorriso largo de boas vindas.
La Bamba, um senhor de 61 anos, que ama plantas e passa o tempo livre colorindo livros religiosos, apressa-se em lavar o rosto e colocar sua pulseira. "Pra ficar mais charmoso", explica. A primeira coisa que o hippie anuncia, com grande orgulho, é sobre a recente chegada de seu único filho, Juan, de 26 anos, que viera visitá-lo e que, naquele momento, acampava com os amigos em Ponta Grossa (PR). La Bamba não esconde a felicidade: chega com uma caixinha e me mostra todas as fotos do rapaz. Exibe os livros de agropecuária que guardou especialmente para o filho e todas essas coisas de pai coruja. Enquanto falava, interrompeu o assunto para pisotear uma aranha que pulara do meio de um dos livros que me mostrava e que havia ido em sua direção. "Essa é marrom", alertou: depois de esmagá-la com um pisão de chinelo.
No meio da tarde, umas 16h, La Bamba se prepara para almoçar e me oferece um pouco de sua refeição: uma marmita que recebeu como parte do pagamento pelo trabalho que faz como manobrista num restaurante de um amigo. Todos os dias, exceto na segunda, ele trabalha das 11h às 14h, e chega a tirar 120 reais por semana. "A marmita é grande", diz ele, me mostrando o conteúdo. "Também garante a janta".
La Bamba mora sozinho. Numa casa pequena com quarto, banheiro e cozinha. O espaço tem umas coisas improvisadas como o fogão de duas bocas que foi colocado sobre uma caixa plástica e fica ao lado do botijão. "Uma loucura isso, cara", pensei. "Pode explodir a qualquer momento". Mas depois entendi que o botijão fica dentro de casa porque ainda é a melhor forma de se evitar que o gás seja furtado, à noite, pelos malandros.
A casa de La Bamba emana uma energia que é difícil de explicar. Na entrada, onde fica a cozinha, há o que ele chama de altar. É como se fosse um mini templo, que ele mesmo fez e que ocupa um espaço considerável, deixando claro que La Bamba é um sujeito religioso. Há bíblias por todo canto, em várias versões, inclusive inglês, e no meio do altar tem um quadro de Jesus Cristo, ornado por figuras religiosas e iluminado por umas luzinhas verdes em led. Chega a ser bonito aquilo lá, de verdade. Há mensagens bíblicas e fotos da família e do passado do La Bamba por todo canto e essas coisas que dão harmonia ao ambiente. As cores são vivas: o assoalho é rosa, as paredes pintadas na horizontal, de verde e amarelo, a porta é marrom, e tudo combina perfeitamente com a cadeira de praia colorida. É lógico que não há luxo e os móveis são bastante simples. Dentre as coisas que La Bamba mais gosta está o rádio Lenoxx, uma caixa potente dividida em três alto falantes e que também tem várias luzinhas piscantes. Tudo parece brilhar e piscar na casa do hippie, e La Bamba parece muito feliz quando me apresenta todas as suas coleções de CDs, guardados numa caixa de papelão. É simplesmente sensacional. "Tenho a discografia completa do Raul Seixas", diz ele, virando demoradamente o porta-CDs e mostrando discos do Creedence, Beatles, Chrystian e Ralf (isso mesmo) e vários sons dos anos 70 e 80.
YOU ARE READING
Reportagens
Non-FictionAqui pretendo colocar algumas de minhas reportagens feitas ao longo do tempo... matérias que contêm histórias de vida ou mesmo aquelas sobre aspectos do cotidiano... Foto da capa de Patrick Hendry via unsplash (licença livre).