Elástica

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Antes da prisão em flagrante do tal propagandista, dois casos com as mesmas características já haviam sido registrados em um intervalo de três meses naquela delegacia: feminicídio. Mulheres nuas assassinadas em camas de hotéis baratos na Lapa. Todas com um tipo específico: loura, cabelos e pernas longas, idade entre trinta e quarenta anos.

Para a divisão de homicídios de uma metrópole anacrônica e violenta não seria exatamente novidade lidar com aquele tipo de ocorrência, não fosse pelas cenas dos crimes serem do tipo que faziam até policial experiente vomitar ao chegar no local.

As vítimas não estavam apenas mortas.  Estavam quebradas, retorcidas, dobradas mesmo, como se o assassino quisesse fazê-las caber em alguma mala antes de pegar um trem para o inferno.

Ludmila Colmenero, a delegada responsável pelo inquérito, não enjoava fácil, mas naquela manhã revendo as fotos da perícia sentiu uma certa náusea. Menos pelas imagens dos corpos horrivelmente retorcidos, do banho de sangue, das fraturas expostas e mais por se ver obrigada a considerar a possibilidade daquilo que já parecia ser só um pesadelo bizarro, mas fortuito, estar na verdade prestes a se tornar recorrente.

O caso tinha repercutido muito na imprensa. Durante um bom tempo, as matérias sobre o "Entortador da Lapa" roubaram espaço das notícias sobre todas as outras coisas tortas que estavam acontecendo na cidade, no país, no mundo.

A polícia, entretanto, estava em vias de concluir o inquérito depois que a segunda vítima fora encontrada retorcida na cama e o provável autor do crime, espatifado no asfalto, após se jogar da janela do quinto andar do hotel.

Comprovar o envolvimento de um suicida sem qualquer antecedente criminal no primeiro homicídio estava um pouco difícil, Colmenero tinha que admitir, mas as semelhanças no modus operandi, no perfil das vítimas e em alguns detalhes na execução das mortes apontavam para um único autor.

O surgimento de um imitador àquela altura do campeonato certamente não ajudava em nada. Era só extremamente preocupante.

Quando o agente Goulart, auxiliar de investigação, pediu licença para entrar no gabinete, a delegada o autorizou, largando as fotos e tamborilando os dedos sobre o tampo da mesa para disfarçar o mal estar que tinha acabado de sentir.

— Ele confessou?

— Falou umas coisas. — o rapaz explicou chateado — Mas confessar, não confessou.

— Um imitador que pede para a recepcionista do hotel chamar a polícia e espera sentadinho no lobby não quer assumir a autoria da obra?

— Disse que tem uma outra mulher na jogada. Uma novinha aí que ele conheceu na internet.

— Acharam?

— Nada. O pessoal do hotel não viu nenhuma garota. Os PMs que atenderam a chamada também não.

— Tem que procurar em rede social depois então.

Goulart concordou com a cabeça. Em seguida perguntou desgostoso:

— Será que é mesmo um imitador?

Só podia ser, a mulher pensou, mas não respondeu.

O problema da imprensa fazer muito alarde naquele tipo de caso era sempre o risco dos doidos ganharem fãs.

Além do mais, havia um pequeno grande detalhe sobre a nova vítima que não batia com a preferência do assassino. A delegada experiente sabia muito bem que algumas discrepâncias podiam ser ignoradas, naquele tipo de caso, outras não.  

Sem tempo para perder, ela encerrou o papo juntando as fotos de volta na pasta e em seguida se encaminhou para a sala de interrogatório junto com o auxiliar.

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