Olá para você.

Fones de ouvido.

Eu não gosto muito de pessoas. Posso observar as mesmas, falar o quanto elas se mexem, as expressões que elas fazem com a boca, o quanto elas conseguem mexer os braços enquanto falam, contar as vezes em que elas brigam umas com as outras ou que até mentem, sei de cor também quantas vezes por segundo uma única pessoa consegue falar sobre as coisas que gosta quando está muito entusiasmada. Me irrita. Não gosto de pessoas e preferia não as conseguir observar tanto. 

Eu gosto de fones. Eu coloco os meus fones nos ouvidos e viajo para o meu mundo. O meu mundo é composto por música, seja ela clássica, pop, rock ou até mesmo funk. Eu viajo em várias emoções, estilos e padrões. Eu faço a minha própria vida do jeito que eu quero. No meu mundinho ninguém me machuca, ninguém me engana, ninguém tenta me impedir de nada.

Eu sou a rainha do meu próprio universo. 

Prefiro ganhar uns bons fones de ouvidos do que qualquer outra coisa seja em anos, natal ou só por ganhar. Eu gosto deles e com eles sempre posso viajar para o meu mundinho.. afinal, no meu mundinho ninguém me engana, ninguém me machuca, ninguém tenta me impedir de nada. 

Eu carrego os meus fones para qualquer lugar, seja escola, academia, casa, café, até se for preciso para um lugar onde diga "é proibido fones" eu definitivamente estaria lá com eles. Os meus fones não me magoam. O meu mundinho é construído pelo que eu quero. As pessoas falam tudo o que eu quero e eu me deslumbro com cada som, com cada padrão, cada melodia. É tudo tão.. perfeito. 

Eu ainda me lembro tão bem como se fosse ontem o dia em que tudo mudou, era Verão e estava calor. Eu, cansada, conseguia-me distinguir por ter os fones mais lindos do mundo (ninguém ligava para isso na verdade, mas finge que sim), e eu estava trabalhando numa livraria rodeada das coisas boas que só nela inalava: os livros. 

Como de costume, os clientes vão e vêm, o calor também se manifesta e eu com certeza detesto aquilo. Sempre que eu tinha oportunidade, eu colocava os meus fones de ouvido e escutava algum tipo de música do meu mundinho. Era pop dessa vez. 

Eu olhava para todo o lado completamente apagada pelo som da música, às vezes acenava para algum cliente dizendo "adeus e volte sempre" e voltava ao meu mundinho. 

Ah.. o meu mundinho. 

Chegou a vez de entrar um cliente um pouco perturbador que ganhou a minha atenção.

Porquê perturbador? E porque ganharia a minha atenção? 

Essa pessoa também tinha fones. Fones de ouvido. Uns lindos fones amarelos que se encaracolavam pelo pescoço dela. Acredito que ela também pudesse estar ouvindo música. 

Será que essa pessoa também vivia no seu mundinho? Será que observava as pessoas mesmo detestando elas, enquanto escutava uma música gostosa? Será que ela também era como eu? 

O cliente foi embora antes de eu sequer notar e como de costume, fechamos a livraria provavelmente antes das 18h (eu nunca contava e além do mais, nunca prestava atenção)

Chegando em casa, escrevi no meu diário o seguinte: 

Querido diário, lembra quando eu escrevia em você chorando e triste porque achava anormal eu não gostar da nossa realidade? De pessoas brigando ao invés de sorrir? De pessoas sendo falsas umas com as outras? De pessoas que não aproveitam o que a vida tem de tão bom para dar? Você lembra? Olha, não faz muito tempo que eu comecei trabalhando naquela livraria, você lembra? Eu escrevi em você! Querido diário, hoje eu finalmente vi! Alguém igual eu! Você sabia que essa pessoa tinha uns fones amarelos? Eram enormes! Ela deve ter um mundo gigante onde pode sonhar já que não deixam aqui! 

Querido diário, você reparou em algo? 

Eu finalmente não estou mais sozinha. 

Quando acabei de escrever no meu diário, pousei e olhei para o teto. Era bonita a sensação de perceber que não era só eu que ficava triste com toda a realidade. 

Fugir não é o ideal, eu sei. Fingir que não existe também nunca será o ideal, eu sei. Mas por agora... no meu mundinho, ninguém me machuca, ninguém me engana, ninguém tenta me impedir de nada. 

Eu sou eu e eu gosto assim.