Episódio I - Memórias

25 3 4
                                    

A caverna era pequena e húmida, a única fonte de calor estava do lado oposto. Um arrepio percorreu-lhe a espinha e ele reparou que estava com frio. No seu dedo estava um anel dourado que ele não conseguia explicar como poderia ter ido lá parar. Mas ali estava, brilhante e gordurento.

Ele estava a limpar o interior de um salmão quando recuperou os sentidos e pela primeira vez em algum tempo ele conseguia pensar por si próprio. As memórias atingiram-no como uma tempestade em alto mar e a cabeça dele começou a latejar. Do outro lado da sala estava a necromante chamada Hallsa, uma Dunmer relativamente jovem mas bastante experiente e poderosa. Ela estava a moer ingredientes no laboratório de alquimia e o som que isso fazia tornara-se extremamente irritante.

A barba tinha crescido imenso e o seu rosto estava sujo com pó e terra. O cabelo era um emaranhado louro salpicado de castanho negro e ele não queria imaginar que tipo de coisas estavam escondidas lá no meio. O corpo estava igual, pelo que ele conseguia sentir, e talvez isso fosse o que mais o incomodava.

No entanto, não havia agora tempo para tais trivialidades. Se ele não fugisse de imediato, eles iriam dar conta de que algo de errado se passava. Estes necromantes não eram de se subestimar. Eles tinham uma reputação infame por toda a região da Fenda e tinham feito desta caverna o seu covil por muitos anos, conseguindo lidar com qualquer ameaça que tenha tentado destruí-los. Ele sabia que, usando a força, não teria qualquer hipótese contra eles.

A elfa tinha reparado na hesitação dele e disse:

- Thrall, trabalha!

Ele apenas recomeçou o seu trabalho lentamente, dando a impressão que nada se tinha passado. Isso requereu uma concentração enorme no controlo da sua expressão facial. Enquanto limpava o interior dos peixes, ele pensava numa maneira de fugir. Ele estava indefeso, mas agora que estava livre das correntes mentais ele podia utilizar o que quisesse, afinal a caverna estava repleta de ferramentas e ele tinha a vantagem, o elemento surpresa.

Ao terminar o trabalho ele dirigiu-se para a plataforma onde Hallsa estava. Ela estava distraída com as poções e nem sequer deu pela presença dele. Ao se aperceber disto, ele não perdeu a oportunidade. Ele afundou a adaga nas costas dela, mesmo no lugar do coração. Hallsa deu o seu último suspiro, antes de cair por cima da mesa e entornar os líquidos. Um recipiente caiu no chão e partiu, o som ecoando pelo comprimento da caverna. Por momentos, ele pensou que tinha ouvido a voz de Navanu, mas era a sua mente a pregar-lhe partidas. Ele teria de agir com rapidez.

Ao sair da caverna, o ar gélido de Skyrim entrou-lhe nas narinas de forma desmandada. Parecia ter passado milénios desde a última vez que ele sentiu, com todos os sentidos, esta sensação.

Navanu estava no posto de vigia, uma rocha saliente por cima da entrada da caverna. A expressão na cara dele era de desconfiança ao ver o seu thrall aproximar-se, pois ainda não era a hora da refeição.

- Senhor, a senhora Hallsa enviou-me aqui. - disse ele, num tom monótono.

- Só? - o tom de voz mostrando agrado.

- Sim, senhor!

O elfo negro sorriu.

- Fica de vigia, thrall! - Navanu ordenou arrogantemente, mas sem esconder o entusiasmo.

- Sim, senhor!

Enquanto Navanu descia e entrava na caverna, ele respirou fundo, pegou no arco e rapidamente circundou a entrada da caverna, escondendo-se numa rocha flanqueada por um arbusto. Ele esperou pelo sinal.

O sinal revelou-se ser um grito de angústia seguido por um estrondo enorme. Quando ele olhou por entre os arbustos, viu que a porta de madeira era um monte de farpas espalhadas ao redor do seu esconderijo. Navanu surgiu da caverna como um demónio enraivecido. Faíscas contornavam a sua silhueta e os seus olhos brilhavam além do escarlate natural dos Dunmer.

O coração do thrall batia furiosamente, mas, inexplicavelmente, ele não sentia medo. Ele colocou a flecha na corda e puxou lentamente. Esta ação desencadeou-lhe uma série de memórias fragmentadas que ele teve de suprimir. Este era um momento que necessitava de intensa prontidão e precisão, no qual não havia lugar para a mínima distração.

- Eu devia ter desconfiado! - a voz do elfo negro parecia trovão e choro ao mesmo tempo.

Como previsto, ele dirigiu-se à subida para o posto. O thrall sabia que não tinha nenhuma hipótese de derrotar Navanu, quer tivesse elemento surpresa quer não. Ele já tinha visto Navanu apanhar uma flecha dirigida a ele com uma mão enquanto comia a sua refeição.

No entanto, presentemente, ele não tinha os sentidos apurados. A raiva e a angústia tomavam conta do elfo. O thrall sentiu pena, mas então lembrara-se das atrocidades cometidas por Navanu e Hallsa. Todos aqueles pais, mães, maridos, esposas, filhos. Todos aqueles gritos e gemidos eram como tentáculos que lhe agarravam e esmagavam a mente. 

E a culpa! Oh, a culpa era demais.

Ao subir, o elfo negro reparou que o thrall não estava ali. Isso cegou-o de raiva, de modo que largou um rugido tão alto que deveria ter estremecido a cidade de Riften.

O momento tinha chegado, os seus dedos abriram-se e a flecha assobiou. O projétil atingiu-lhe o céu da boca e perfurou-lhe o crânio, terminando abruptamente o barulho ensurdecedor.

Ele ouviu pela primeira vez o som do vento e do canto dos pássaros. Mais memórias fluíram pela sua mente, à procura do lugar correto para se acomodarem. Contudo, o seu passado ainda estava escondido por denso nevoeiro.

O seu corpo estava tenso, por isso ele deixou-se deitar na extensão de erva por trás da rocha. Ele adormeceu à sombra das folhas de uma árvore próxima e, pela primeira vez em muito tempo, sonhou.

A Falsa Era - PrólogoOnde histórias criam vida. Descubra agora