Terminal

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   Haviam passado exatamente quarenta e seis minutos desde que cheguei, minhas pernas estavam cansadas, meus sapatos molhados pela chuva que tomei na vinda. Aqui também chovia, e muito. O vento soprava frio, no entanto todo o esgotamento fazia com que o frio não me prejudicasse. Horário de pico, como chamamos em cidade grande. Cidade grande em modo de dizer, estou sendo muito humilde para chamar este lugar de cidade grande, pois a megalópole que moro, vivo, trabalho e estudo, controla-me por completo. A vastidão do lugar é equivalente o quanto ele nos controla, digo isso em uma perspectiva geral. Um lugar que corriqueiramente está cheio de pessoas, soa um pouco hipócrita eu me sentir sozinho, mas o tempo é relativo, assim como a perspectiva sobre o outro. Aqui estou eu, com uma multidão de desconhecidos, a caminho de um lugar conhecido, minha casa.

   Levo comigo todo o estresse acumulado na trajetória, todos os olhares que senti e que não percebi, olhares de ódio, de atração, de pré-conceito que fiz e que levei. Cada vez que você vê uma pessoa, nunca pensa de onde ela vem e/ou pra onde ela vai? São pessoas que passam de forma tão rápida, em milésimos de segundos na sua visão que você nunca mais a verá em sua vida, ainda dizem que o mundo é pequeno. Fazemos parte de um núcleo no qual não conhecemos todos os participantes e nunca conheceremos. Pessoas de todos os tipos, de todos os jeitos, de todas as personalidades, unidas pela força do cotidiano, da rotina. Nunca parou para pensar que aquela pessoa que você dividiu o assento do ônibus pode estar prestes a se matar? Ou que está prestes a se casar? Ou que acabou de terminar de pagar sua própria casa? O tempo vago nos faz ter essas reflexões, não é mesmo? É preciso ter tempo para observar o tempo. É interessante o quão relativo isso fica na prática. A percepção daqueles quarenta e seis minutos... – neste exato momento ergo minha mão, giro levemente o meu punho para descer a manga do sobretudo, e contemplo em meu relógio que na verdade são quarenta e oito minutos – Pois é, e para você, não passam de dois minutos até aqui.

   Durante esse tempo esperando, percebi algumas coisas que mesmo passando neste lugar todos os dias, não havia percebido anteriormente. Existe um fiscal que fica com uma prancheta, andando de um lado para o outro, fazendo algumas anotações. Eu o cumprimento diariamente, pois adquiri um vínculo com ele, não de amizade, mas de concepção do tempo, deixe-me explicar: Ele começa a jornada de trabalho poucos minutos depois que eu desembarco e vou até uma outra plataforma para seguir com meu caminho. Quando eu o vejo, geralmente sei que estou atrasado, e é como um sinal que acelera os meus passos, a partir daí, um alarme toca no meu subconsciente repassando um breve filme sobre alguns minutos atrás, onde uma pergunta aparece em um outdoor fluorescente que pisca fortemente no meu cérebro: O que você fez que o atrasou por alguns minutos? Foi o tempo que precisei escolher uma outra camisa, pois já havia usado a mesma por dois dias seguidos? Ou o tempinho que fiquei ao celular, olhando as redes sociais e as notícias da manhã? Acredito que os minutos de espera no elevador do prédio também poderiam ser considerados, afinal, havia a possibilidade de descer as escadas. Não sei. Só sei que enquanto caminho, penso tudo isso, passo meu bilhete na catraca, subo até a plataforma, penso que evitarei fazer algumas dessas coisas, ou que organizarei tudo melhor quando chegar. Uma pessoa normal ficaria com ódio do fiscal por causar esse estresse, porém sou grato por ele e devo presumir que ele também é grato por mim, porque na volta, quando ele me vê, vejo-o tirando o crachá, fazendo algumas anotações com alguma velocidade, e olhando no relógio, sentindo-se satisfeito por ter chegado ao fim de seu turno.

   Outra coisa que percebi, estamos tão robotizados que fazemos coisas que não percebemos como se estivéssemos no piloto automático. Estou em uma fila, aguardando o próximo ônibus, com algumas pessoas a minha frente, no entanto todas foram se concentrando uma atrás da outra. Não há nenhuma informação que deve ser feito uma fila, porém, estamos tão acostumados a seguir ensinamentos que foram enraizados na pré-escola, que utilizamos essa metodologia de organização em todos os aspectos, em lanchonetes, no cinema, nos bancos, em tudo. Geralmente, estamos compartilhando um mesmo objetivo, unidos pela sensação de espera e aguardo, mesmo que não haja nenhuma troca de olhar ou de palavras.

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