Acidentes acontecem.

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As águas passam em meu corpo, fecho a torneira da banheira. Sinceramente, passei anos morrendo por dentro, morrer por fora não é algo extraordinário pra mim. Olhando bem pro meu quadril cheio de cortes, cheguei a conclusão que eu deveria ter feito os cortes nos braços, por que talvez assim eles percebessem que eu preciso de ajuda, ou melhor, precisava. Não adianta mais chorar, mas as lágrimas continuam descendo e se afundando e misturando com a água e a espuma da banheira, e aos poucos, também desço, me afundo e me misturo com essa banheira fria e sem cor.

É, eu preciso ir na cozinha, buscar a torradeira. Levantei todo molhado mesmo, não vou estar mais aqui para os meus pais quando chegarem me fazerem sermão sobre isso. Boto "Nihil" de ghostmane na caixa de som, essa música me faz me sentir unipotente, uniciente e unipresente, nem me importo muito com a tradução dela. Faço as torradas e as ponho na torradeira, as levo até o banheiro, ponho na ponta da instante dos shampoos.

Tenho exatamente 1 min. de vida, será que ainda terá tempo para eu ouvir o "Click" das torradas saltando? Uma bela curiosidade antes da morte. Mas acho que esse um minuto é o suficiente para eu repensar em minha vida, vejamos bem... Vamos começar... Uma infância cheia de traumas, uma puberdade cheia de bullying, e uma adolescência cheia de rejeição... É, uma boa história, dava para escrever um livro, ou até mesmo um filme, pena que não vai ser sobre superação. É... Acho que uma torradeira não frita uma torrada em 1 min.

Vamos lá, que ainda há tempo para detalhes. Um "Tente não chorar" que eu sei que não vou vencer. Bem, de 0 aos 5 anos briga de pais, até aí okay, 5 para + pais separados, 8 anos mudança, 9 "Ele é retardo" "Ele tem problemas" e esses blá blá blá que hoje não me importo mais, 9 aos 12, as consequências de uam família mal desistruturada veio à tona. 12 aos 17 bem, talvez, eu não queira relembrar essa parte, Talvez eu não queira relembrar nada, talvez eu queria ter tido outra vida. Que tal eu criar uma vida linda que eu tive na minha cabecinha? Meus pais eram ricos e ao mesmo tempo amorosos comigo, eu tinha um irmão que eu sabia que podia contar para tudo, eu era inteligente e educado, talvez esse seja um dos fatores com que as pessoas se socializam muito comigo, e aos 17 anos, eu morri, cometi suicídio para doar meus órgãos para as pessoas que precisam, a taxa de pessoas que necessitam de órgãos está muito grande no país atualmente. É, essa é a vida que eu tive.

Espero que meus pais leam o bilhete que eu deixei, e que realmente doem os meus órgãos, e que assim, pelo menos na minha morte fará alguém feliz, algo que eu não consegui fazer a vida inteira. Eu sinto algo, talvez seja o desespero, dizem que sempre bate desespero antes da tentativa de suicídio. Tomare que a minha dê certo. Acho que faltam segundos, estou escutando as torradas queimando. Eu queria realmente ser atormentado pela grande pergunta: "E se eu vivesse?", Mas eu tenho a resposta, eu sofreria mais, e as feridas não iriam cicatrizar, então não tem graça... Vou fechar meus olhos, e esperar aos poucos a eletricidade passar em minhas veias. É, nem vou poder ouvir o final bizarro de "Nihil", e nem comer aquela lasanha de novo. É, talvez assim com a eletricidade vai fazer, o desespero está me dominando aos poucos, mas já não importa mais, já está feito. Esta na hora de ir.

- "Click"

A morte de alguém qualquer...Onde histórias criam vida. Descubra agora