ERICA

2 0 0
                                    

A pequena robô perdia suas forças. Os danos sofridos pelo tempo já estavam mais intensos. Ali, em um dos muitos prédios destruídos por uma guerra muito antiga, sentia-se em paz. Olhava para os céus docemente, agradecida por tudo o que vivera até o momento. A robô podia ouvir seus passos. O rapaz havia voltado mais uma vez. Apesar dos anos que se passaram, ela ainda podia reconhecer os passos, nem leves e nem pesados, mas não mais as de uma criança. Mesmo que longes, sabia que ele estava mais perto do que se imaginava. Desse modo, logo estaria ao seu lado.

- Erica! - ao que o rapaz ajoelhou-se perante a pequena ciborgue, destruída e em um estado avançado de precariedade de todas as peças e sistemas, pétalas de diversas flores levantaram daquele pequeno e inesperado jardim em meio ao que seria o saguão dos escombros em que estavam. - O que está pensando em fazer?

- Ei... - a voz artificial estava falhando, mas continuava gentil como o rapaz se lembrava. - Você não devia ter vindo. - um sorriso brincalhão e curto percorreu o resto dos lábios da robô, machucando emocionalmente o jovem.

- Perdoe-me. - o rapaz segurava as lágrimas como podia, porém o sentimento de culpa e desespero o dominavam. Ele sentia-se o responsável por tudo aquilo estar acontecendo, mesmo que isso não fosse verdade.- Desculpe-me por te fazer esperar por tanto tempo. É minha culpa. Minha culpa!

- Ei... - chamou a jovem carinhosamente. - Poderia me cobrir com flores como você costumava fazer quando criança?

- Erica...

- Por favor...

Ao ver aquele sorriso tão puro, o rapaz deixou que uma lágrima caísse de seus olhos e com uma expressão sofrida e raivosa, atendeu ao pedido.

O rapaz era caprichoso e atencioso ao colher as flores e ao cobrir a pequena robô. Ele se entregava naqueles atos, deixando a ciborgue mais que aliviava. O rapaz carinhosamente montou uma coroa das flores que eram as favoritas de Erica, ou imaginava que ainda fossem, colocando na cabeça da mesma. A robô riu fracamente e se divertia com toda aquela atenção. Ela encarava o rapaz e sentia-se distante.

Era só questão de tempo.

O cheiro das flores sumiram, porém a ciborgue podia jurar que o cheiro das margaridas ainda se faziam presentes. A robô sentiu-se na tentação de tocar as belas plantas, mas seu corpo já não correspondia as suas ordem. As flores foram sua única companhia desde que o rapaz se mudara anos atrás e, às vezes, sentia que era uma delas. Ela se imaginava como flor, provavelmente como forma de ignorar a solidão e passar dia após dia vivendo. Ela mesma não sabia o motivo. Porém, se fosse uma flor, sua cor seria certamente uma sem graça. Talvez tivesse pétalas macias como as nuvens daquele dia... Erica fechou os olhos e suavemente iniciou uma doce cantiga de ninar, ensinada pelo rapaz há muito tempo. Este espantou-se ao reconhecer a canção e tristemente acompanhou a ciborgue. Ela, se fosse humana, choraria naquele momento. Por quanto tempo esperou que alguém a escutasse novamente?

- Erica sentiu a sua falta.

O rapaz parou de imediato o que fazia e soluços barulhentos foram pronunciadas. Ele escondeu o rosto molhado com grande pesar e tentava, em vão, se controlar. Erica sentiu-se mau pelo rapaz. Se pudesse, ela gostaria de ficar apenas por ele... Mas vira tantos mestres, cidades e países morrerem... Sentia-se dividia. E mesmo que quisesse ficar, já era tarde de mais para si.

Sim... Não lhe restava mais tempo algum.

- Ei... Acha que minhas memórias se dissolverão como a névoa da manhã?

- Erica...

- Ei... Acha que meu sonho de enfim descansar vai ser doloroso? Estou com um pouco de medo.

- Pare...

- Ah... Erica queria poder esquecer tudo o que Erica viveu.

- Chega! - o rapaz se aproximou um pouco mais e ajoelhou-se perante a ciborgue. - Chega! Não diga besteiras... Não quero que você se esqueça!... Não quero que se esqueça de mim...

- Ei... - a pequena robô sorriu. - Essas memórias não fariam diferenças. Se robôs tem alma ou não, Erica não acha justo ter que relembrar todos os momentos que passei com você e não poder estar ao seu lado. Se tudo fosse como um sonho... seria mais fácil, não acha?

- Eu não quero te perder.

- Todos esses anos, Erica ficou pensando em você. - o rapaz chorava a cada palavra. - Erica estava só... Erica sentia a sua falta. - ela ousou a rir gentilmente. - Erica é um robô idiota. É isso que Erica é. Erica se sente como se fosse as flores que você me cobriu. A única coisa que me importava era a sua felicidade. Então... Mesmo que Erica morra, não quero que chore. Erica é só um robô e um robô sem funcionamento é nada. Você pode achar triste, mas é belo pra mim. Isso mostra o quanto vivemos.

- É claro que é triste e óbvio que vou chorar! - o rapaz estava a beira do desespero. - Vou chorar porque você é importante pra mim.

- Erica queria ir para onde as estrelas estão... - a jovem deixou de encarar o rapaz e perdeu-se na imensidão do azul celeste do céu. - Vocês chamam de paraíso, não é?

- Não! Eu não quero que você me deixe sozinho! - o jovem apertava as flores em mãos, segurando todos os sentimentos que sentia no momento. A dor, a tristeza, a raiva e a solidão que estaria por vir. Ele sabia o que estava por vir. Estudava e aprendia sobre isso na faculdade. - Por mais egoísta que seja este pedido... eu não quero que me deixe só.

- Ei... - a jovem suspirou. - Você tem muito o que viver ainda... Quanto a mim... Estou cansada... E além disso, você não está sozinho. Você tem família, amigos...

- Erica...

- Erica estava sozinha. - ela sorriu. - Erica estava em busca de companhia. Por isso, obrigada. Obrigada por você ter vindo e me deixado ver o quanto você cresceu e o quanto se importa comigo... Você já pode me esquecer e voltar a sorrir.

- Eu nunca me esquecerei! - o grito em protesto bastou para a ciborgue assustar-se brevemente e logo sorrir.

- Quando a flor de Erica secar, você vai se esquecer. Erica quer que seja assim.

- Mas não será... Eu nunca vou esquecer. - o rapaz a encarou seriamente, deixando a robô ainda mais feliz por te-lo conhecido.

- Ei... poderia cantar pra mim... só mais uma vez?

O rapaz iniciou um choro silencioso. Tomando a coragem e força necessária, iniciou a canção desejada pela ciborgue, mesmo que sua voz estivesse debilitada e com dificuldade em pronunciar cada palavra da canção. Erica sorriu e rapidamente o resto de seu óleo saiu pelo seu olho esquerdo, dando a impressão que esta chorava. E sim, ela chorava, mesmo sendo apenas em seu interior. A pequena robô tentou ao máximo apegar-se naquela música e lentamente foi fechando os olhos.

- Se Erica florescer de novo... Espero reencontrar seu coração. - suas palavras saíram sussurradas de sua boca imóvel.

E os olhos se fecharam para sempre.

EricaWhere stories live. Discover now