Mamãe está surtando mais uma vez. Eu a vejo gritar o nome do meu irmão enquanto chora sobre seus brinquedos favoritos, naquele quarto intocável pelo tempo. Eu sei que ela não teve culpa. Ninguém podia prever aquele massacre. Eu estava lá também e eu não pude fazer nada para deter aquilo, assim como todos. Mesmo assim, ela não se conforma. Ela acredita fielmente que fora amaldiçoada a sofrer por ter deixado meu irmão naquele restaurante. Da suposta negligência. Eu vejo o quanto ela sofre... ela está cega pelo desespero, pela perda e pelo ódio de si. É horrível vê-la assim, mas eu a entendo o quanto está sendo difícil e, por isso, não posso culpá-la. Todos nós sentimos a falta dele. Eu sei que ela se martiriza e tanta se destruir com os fatos e os sentimentos de remorso. Ela não espera que seu inferno terá um fim.
Papai, novamente, não está em casa. É a segunda semana que mal o vejo. Na realidade, faz 3 dias que ele não volta pra casa. Eu sei o que ele está fazendo. Ele está tentando, desesperadamente, esconder sua perda com o trabalho. É sua forma de escapar. De tentar amenizar aquele sofrimento. Eu queria poder fazer isso. Queria conseguir esquecer, mesmo que por um instante. Mas não importa onde eu esteja, a solidão é forte demais. Quantas vezes já não fui pega chorando no meio das aulas? Todos tentam me consolar. Seja os professores ou meus amigos. Contudo, nada está adiantando. E a escola devia ser minha forma de escapar da realidade. Conseguir me manter ocupada e amenizar aquela tristeza. Mas é impossível. Principalmente, porque eu passo meus dias inteiros em meu quarto ouvindo os choros da minha mãe.
"Perdoe-me... eu queria estar lá com você", é o que escuto todas as noites vindas do quarto do meu irmão.
Eu tenho medo. Tenho medo que ela cometa alguma besteira. Em especial, suicídio. Quando ela sai de casa, eu não consigo ignorar. Eu tranco a casa e vou atrás dela para ter certeza que está tudo bem. É assim todos os dias. Todos os dias, ela vai até naquele maldito lugar tentando encontrar alguma pista. Ela vasculha os becos, as ruas vizinhas e os fundos do estabelecimento. Ela quer vingança ou encontrar alguém para poder culpar. Acho que todos nós fizemos isso. Seja o dono da franquia ou o funcionário que foi preso como suspeito. Devido à falta de provas, ele foi liberado como inocente.
Eu vejo que ela está lutando para se libertar dessa paranoia. Buscando continuar sua vida. Eu vejo essa esperança. Toda vez que ela encontra outras crianças, seu sorriso aparece, mesmo que junto de mais lágrimas. Ela ainda quer viver, de alguma forma. Eu estou preocupada. Eu quero que ela consiga continuar o mais rápido possível. Senão, ela vai quebrar. E mesmo eu escutando milhares de vezes para me afastar e não incomodá-la mais, simplesmente, eu não posso deixá-la. Se isso continuar, ela vai acabar se tornando uma marionete... sendo movida apenas pelo seu desejo de vingança.
Hoje, faz quatro meses desde que o vimos pela última vez. Achei que o tempo fosse ajudar minha mão a suportar um pouco. Ela está ainda mais depressiva, evitando comer ou beber qualquer coisa. Eu tento fazê-la comer, como faço todos os dias. Pela primeira vez, ela arremessa a comida contra mim, felizmente me errando. Quando vejo os cacos de porcelana no chão junto da comida que eu tinha feito para ela, sinto como se eu tivesse morrido ali. Ela não me ouve mais. Ela continua no mesmo lugar. Nem ligou pelo que ela havia feito. Ela podia ter me machucado. Ela pega novamente aquele maldito brinquedo de dinossauro e canta a mesma música de ninar que ela costumava cantar para nós quando éramos mais novos. Ela só faz isso já há um tempo. Repetindo e repetindo. Eu coloco as mãos sobre a minha cabeça e saio daquele quarto o quanto antes. Vou até a cozinha e me encolho no canto mais escuro. Eu não aguento mais isso. Eu não aguento mais. Chorar já não tem o mesmo efeito. Papai ainda continua ausente e mamãe parece estar piorando. Até quando vou conseguir me manter forte. Até quando conseguir suportar.
Eu estou enlouquecendo.
Quando abro os meus olhos, vejo que já está escuro. Eu ainda estou sentada naquele chão frio da cozinha. Meu corpo dói por causa da posição que eu fiquei quando dormi. Dou apenas um grande suspiro antes de me levantar e ir para o meu quarto. Minha mãe está sentada na minha cama. Assim que ela me vê, ela corre até a mim e me abraça forte. Eu fico com medo no começo. Depois do episódio passado, eu não esperava por aquilo. Ela está chorando de novo, mas dessa vez é por mim. Ela implora por perdão. Pede repetidamente desculpas. Eu deixo de ser forte. Eu deixo que meu choro seja ouvido também. Nós precisamos ser mais fortes. Mamãe está tentando. Ela quer viver, mas seu suposto erro do passado lhe persegue. Eu vejo que ela está perdendo para seu próprio desespero. Eu vejo em seus olhos inchados e cheias de olheiras que tem medo de me perder também. Nenhuma mãe merece enterrar um filho antes de si. Eu tento imaginar o quão desesperador deve ser.
Por que aquilo teve que acontecer? Por que justo o meu irmão? Eu me lembro, assim como minha mãe, seu último sorriso. Tão pequeno e gentil com um par de olhos maravilhados por viver a cada dia. Infelizmente ou felizmente é tudo que lembramos. As memórias e lembranças mais antigas estão nebulosas por causa de nosso luto. Eu sinto falta... falta do meu pequeno irmãozinho. E isso dói demais.
Nós, principalmente a minha mãe, queremos uma justificativa para aquele dia. Por mais que possa acabar consumindo o resto de nossos corações e nos matar por fim, nós precisamos saber. O que houve ali? Quem havia feito aquilo e por que? Ao menos, eu quero saber pra onde o corpo do meu irmão foi. O mínimo que poderíamos fazer era realizar um funeral apropriadamente.
Meu pai retornou a algumas semanas. Ele disse que procurou ajuda para todos nós, principalmente, para a minha mãe. Ele me abraçou assim que chegou e pediu desculpas pela sua ausência. Eu ainda estou magoada pelo que ele fez, mas é meu pai. Um pai que perdeu um de seus filhos. Nunca fiquei tão feliz quanto quando conseguimos levar minha mãe para fazer terapia. Os resultados demoraram para aparecer, mas valeu a pena. Hoje, ela já parte de um grupo de ajuda. Um tipo de terapia em grupo com as outras mães que perderam seus filhos naquele dia também. Ela parece melhor. Ela está dando seus primeiros passos, finalmente.
Eu estou melhor também, apesar que ainda é difícil. Por mais que já tenha passado quase um ano que ele se foi, mal suporto a realidade. Coincidentemente, estou passando na frente do restaurante. Ele está com uma cara horrível. Ouvi dizer que havia fechado, mas eu não havia acreditado. Isso, de alguma forma, me deixa feliz. Não haveria mais um caso como aquele. Eu paro de frente a porta principal. Algo me diz que meu irmãozinho não está descansando em paz. O que eu posso fazer por ele? Como posso trazer paz pra sua alma? Minhas lágrimas voltam e eu tento chorar o mínimo possível. Não posso voltar pra casa com cara de choro. Isso vai preocupar meus pais. Eu dou as costas e sigo meu caminho até...
O que?
Eu olho para trás por alguns instantes. Estou assustada. Balanço minha cabeça e saio dali o mais rápido possível. Por ter sido apenas a minha imaginação, mas eu posso jurar que ouvi a música do Freddy Fazbear de dentro do estabelecimento.
A música favorita do meu irmãozinho.
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It's Been So Long
FanfictionIt's Been So Long The Living Tombstone ^ ^ ^ Nós perdemos muito. Minha mãe perdeu tudo. Ela não sabe lidar com a perda. Ela vai se tornar uma marionete. ^ ^ ^ Eu espero que vocês gostem do estória e não se esqueçam da música!