Olhos de Panda

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Ele dizia, olho nos jogos de perna dela.

Eu escutava, desce o murro na filha da puta que ela não aguenta dois assaltos.

Quando o cutman, aquele cara que vem com a vaselina e atadura no intervalo de cada assalto, remendar a sua cara, ele mergulha o dedo no pote da pomada e pressiona na altura do meu supercílio, dizendo que a Romanova precisava de um belo par de olhos de panda.

O velho dizia, vamos mostrar aos pandas como nos importamos com eles. Falava, um par de olhos de panda faz com que as pessoas enxerguem de uma outra maneira, beirando a preocupação pela possibilidade de serem extintas.

Ele me diz, você se lembra como conseguiu seus olhos de panda?

As gotas de lama que saltavam dos punhos da Rebeca, logo após pressionar o meu nariz para dentro do meu crânio, formava uma espécie de chafariz de sangue com água da chuva. Mal conseguia levantar do gramado.

Sentia as roupas coladas em meu corpo e a Rebeca em cima de mim, como se cavalgasse num touro mecânico, transformando sua camisa em alguma obra de arte contemporânea. Imagine aqueles pintores que enxergam um quadro branco. Eles molham o pincel e espirram aleatoriamente no quadro, formando imagens que somente eles enxergavam.

A camisa da Rebeca tinha linhas vermelhas horizontais. Uma linha vermelha diagonal cruzava sua camisa molhada de chuva, tornando o contorno do sutiã mais aparente. Meu rosto era sua paleta de cores. Ela era a artista inspirada e, todos aqueles que nos cercavam, eram o público obcecado e devotos por tanta genialidade.

Tento entrar pelos fundos da casa. Pulo o portão, tiro do bolso minha chave e tento destrancar a porta da cozinha para descobrir que ela já estava aberta. Seus pais sempre sabem que alguma coisa estava errada.

Minha mãe discutia com a diretora do colégio. Falava alguma coisa do tipo "é a terceira vez que isso acontece". Depois falava alguns termos jurídicos e no final de tudo, disse algo que parece ter escutado como:

- Se não fizer nada, quem vai foder a cara dos pais dela serei eu.

Meu pai senta do meu lado e coça um pouco a cabeça. Essa é a parte mais difícil. Ele tenta ponderar a situação, busca as melhores palavras para me encorajar e sinto que, no fundo, tudo o que ele queria era a oportunidade de revidar tudo aquilo.

Ele passa uma mão pela minha nuca e quando viro minha atenção para ele, faz um sinal de silêncio com o indicador, apontando para trás, onde minha mãe gritava algo do tipo "enfia essas reuniões de pais e mestres no rabo".

Quando trocam olhares, minha mãe tampa a parte do telefone onde a diretora, com medo de responder por mais um processo, desejava mais que tudo expulsar a outra garota, mesmo de mãos atadas, e faz um sinal de positivo, dizendo que a situação estava quase resolvida.

Merda nenhuma. A Rebeca fazia questão de me lembrar o quanto seus pais eram poderosos e influentes naquele colégio. Também comentou algo como desvio de verbas públicas para interesse próprio e outra coisa como, a diretora está de mãos atadas conosco. Ela dizia quando transformava sua camisa em uma olha surrealista, usando meu rosto como paleta.

Toda vez que o velho abria o ginásio, ele dizia a mesma coisa. Como se fosse um mantra, uma regra, ou uma filosofia de vida. Antes da gente começar a série de aquecimento, levantamento de peso e treinamento contra a sombra, o velho assoava o nariz e dizia que alguns de nós ainda tínhamos que conquistar olhos de panda.

Foi fácil entender que merda aquilo era. Pelo menos para mim, já que a Rebeca foi uma grande professora involuntária que me explicou sobre isso.

O velho que parecia o Clint Eastwood contava que os pandas estão em extinção e mal fodem direito. Cada vez que cruzavam, o mundo aplaudia, como se a foda deles restaurasse o equilíbrio do planeta.

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