Capítulo 6

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1985, São Paulo

Nair não estava acreditando na situação e nem se aquilo que estava passando era verdade ou não. Tudo aconteceu tão depressa que seu cérebro não consegui processar os acontecimentos, ou simplesmente ligar os fatos.
Ela passava suas mãos em seus cabelos como sinal do seu nervosismo. Seus olhos estavam cheio das lágrimas que não paravam de cair.
Olhava de um lado para o outro, na esperança de acordar de um terrível pesadelo. Não sabia se cobria o rosto com as mãos ou não.
Mas a vida não segue somente um caminho previsível. Ela segue um fluxo como o vento, sem o lado certo. Em apenas um instante tudo pode mudar.
Para Nair o dia começou normal como sempre. Acordou, preparou o café para o marido e para os filhos. Pedro e Thomas foram se carro com destino ao trabalho e Guilherme estava esperando a sua mãe para levá-lo à escola no portão.
Após fechar o portão da casa, caminhou com Guilherme até a entrada da escola. Deu um beijo no rosto do filho como de costume e caminhou até o ponto mais próximo para pegar um ônibus. O ônibus como de costume estava lotado e Nair ficou em pé durante a maior parte da viagem.
Desceu no vale do Anhangabaú e de lá caminhou pelo menos 2 quadras até o seu trabalho. Era uma empresa de vendas de planos de saúde. Em seu departamento trabalhavam 5 mulheres, todas com a mesma idade.
Vera, era uma mulher morena de pele morena e trabalhava a mais tempo na empresa. Ela coordenava o setor orientando as demais colegas e gostava bastante do trabalho de Nair.
As 5 costumavam almoçar juntas e gostavam de falar sobre diversos assuntos.
- Nossa você viu aquela atriz com aquele vestido na festa da Sara Lee? Eu acho que ela estava lá para achar um grande partido!
- Acho que não Selma...Eu li que ela estava com um caso com o Romão, o ator da novela das 6...
- Nossa vocês viram que o preço da carne aumentou de novo? Até onde vai essa inflação?
- Verdade o gasto de casa esta cada vez maior...Se continuar assim o meu salário não vai dar para pagar todas as despesas.
- Nair como estão as coisas em sua casa?
- Estão indo Lúcia...Thomas está bem mas eu desconfio que ele voltou a beber, porque outro dia encontrei algumas garrafas em um canto da cozinha mas não estavam ali antes...
- Nossa que coisa...Mas força amiga...
- Obrigada Lúcia... - disse meio desanimada Nair.
Thomas era um alcoólatra. A origem deste vício pelo que Nair se lembra estava relacionado a trocas de emprego constantes. Ele não conseguia se estabelecer em nenhuma das empresas que contratavam. Na verdade a cada mudança, parecia que a qualidade de trabalho de Thomas diminuía.
Algumas vezes, brigas ocorriam na casa e muitas vezes Nair sentia vontade de abandonar tudo, porém pensava nos filhos e voltava atrás em seus pensamentos. Aconselhava Thomas a procurar ajuda, mas ele não levava a sério estas conversas.
As 17 horas o expediente chegou ao fim e Nair foi até o ponto mais próximo do Anhangabaú para pegar uma condução. Guilherme já estava em casa com a empregada Cida. Ela quem buscava o garoto na escola e cuidava dele até Nair chegar.
Nair desceu no ponto mais próximo da rua da sua casa. Andou os quarteirões e estranhou uma movimentação de muitas pessoas perto da sua casa. Ao se aproximar notou que na verdade as pessoas estavam em frente à sua casa. Correu rapidamente e quando se aproximou mais da sua casa entendeu o motivo do tumulto: seu marido estava caído no chão, inerte. Uma ambulância já estava a posto e Pedro estava amparando Guilherme. Ao ver a sua mãe correu para seus braços em prantos.
Ela começou a ter a mesma reação.
Voltamos ao ponto inicial deste capítulo então, agora entendido o motivo do comportamento de Nair. O local era o hospital público mais próximo. O médico tinha acabado de conversar com Nair, informando que a situação de Thomas era grave e eram questões de horas para a morte.
Amparados mãe e filho ficaram no corredor médico aguardando as horas mais difíceis, talvez das suas vidas. Nair olhava sem direção a um ponto do outro lado e Pedro encostava a cabeça na parede com os olhos fechados. Começou a se lembrar de algumas palavras de seu pai quando ainda era um adolescente.
Pedro estava sentado no sofá e seu pai estava assistindo a TV. Resmungou algumas palavras, olhou para Pedro e começou a falar:
- Sabia que nossa família morava na Avenida Paulista?
- É sério pai?
- Sim eu cheguei a morar junto com seus avós e sua tia Jude. Era uma bonita mansão e pertenceu ao meu avô...Uma pena que naquele lugar agora só tem prédios...
- Verdade...Mas como era?
- Nos éramos muito felizes filho...A sua avó Laura era bem animada. Seu avô um pouco mais moderado, mas também não conseguia se acostumar com a língua- riu Thomas.
Sua avó sempre foi batalhadora. Eu sempre a acompanhei, mas sabe eu não fui igual a ela...Eu sempre tive os meus problemas, minhas limitações...
Pedro foi acordado pelo médico e disse que sua mãe esperava ele no quarto onde seu pai estava. Ele entendeu que Thomas o chamava.
Ao entrar no quarto sua mãe estava sentada perto do leito em que seu pai se encontrava. Ele virou o rosto na direção de Guilherme e sorriu. Fez um gesto com as mãos lentamente para que Pedro se aproximasse.
Pedro se aproximou do rosto do pai. Thomas começou a sussurrar em seu ouvido:
- Sabe filho eu me lembrei de quando você era um toquinho de gente e gostava de brincar do jogo de advinha...
- Me lembro também pai...
- Pena que sua avó não te viu virar este rapaz. Ela teria tanto orgulho de você, porque de certa forma você me lembra ela...Talvez pelo jeito forte com que você sempre lidou com as adversidades da vida...
- Nem tanto pai...Mas descanse um pouco...
- Eu...Sei...Que a minha hora já chegou...Fiz tudo errado...Tudo... - lágrimas escorriam do rosto enrugado de Thomas. Pedro começou a reparar de como seu pai tinha envelhecido e ficado fraco por causa do vício. Ouvia o choro de sua mãe ao fundo.
- Por favor cuide de todos...
Thomas falou mais algumas palavras e deu o seu último suspiro. Nesta hora filho e mãe se abraçaram o mais forte que pode, porque isto a vida ainda permitia, esta troca de energia para que recarregassem as energias e continuassem a caminhada.
Pedro levantou a cabeça, secou suas lágrimas com as mãos, respirou um pouco e disse:
- Temos que continuar mãe...Mesmo que a vida não seja como era antes. Talvez uma parte da minha felicidade foi com o pai mas...Ainda temos uns aos outros...
Este foi o ano em que o Brasil perdeu uma parte de sua vida também. Uma vida dura, sem liberdades e desafios de muitas pessoas. Foi o fim da ditadura Militar que começou em 1964 com a retirada de João Goulart, ou Jango o então eleito presidente por votação popular pelo controle civil-militar.
Na verdade o Golpe Militar teve o apoio de não militares como os grandes proprietários rurais, a burguesia paulista, grande parte da população de media classe e de uma parcela conservadora da Igreja Católica.
Várias pessoas desapareciam ou por algum motivo eram encontradas mortas. A censura tomou conta da impressa. A maior emissora de TV foi proibida de exibir sua nova novela.
E finalmente em 1985 um presidente foi eleito pelo colégio eleitoral ou por voto popular. A vida tomava outro rumo também.
E assim chegamos ao último capítulo...

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