meu coração acordou desafinado. os acordes não saíam com perfeição, pelo contrário, choravam em um ritmo descompassado. não acompanhavam a música.
meus dedos cansados percorriam por todo o violão, tocando-lhes cada parte em um sinal de desânimo. meus cabelos bagunçados caíam sobre meus olhos, mas nenhum esforço surgia da minha parte para tirar os fios que atrapalhavam a visão.
pouco tempo se passou enquanto eu tentava afinar novamente meu coração, talvez ainda não fosse a hora certa para isso. foi tão dedilhado que agora se sentia desgastado, sem força alguma em suas cordas.
enrolei meus pés no cobertor, o quarto estava escuro e a única parte iluminada era meu violão. sua cor preta refletia a luz e então meus olhos focavam em meus dedos machucados, tentando lembrar de alguma música que não fosse sobre você.
todas as letras que escrevi foram inspiradas em cada detalhe teu, e agora não fazem mais nenhum sentido. preciso de algo que não seja apenas a minha respiração, enquanto minha cabeça descansa sobre a curva do violão.
o vazio do meu coração é preenchido com tamanha tristeza, buscando desastrosamente por palavras que podem dizer sobre mim muito mais que apenas esse silêncio comum.
começo então com lá maior, deixando que meus dedos escolham um caminho para seguir, transmitindo um som fraco pela pouca força que coloquei sobre as cordas. depois, um mi menor. e um dó, um ré, um sol.
minha voz sai em um sussurro, quase inaudível — até para mim. meu sotaque canadense dita as palavras sem rimas.
nem toda música tem sentido, mas toda música tem um significado.
o sol não é mais a minha fonte de luz, na rua a chuva cai fina e gelada como neve, o vento frio entra pela janela arrepiando minha pele. continuo tocando meu violão, é tudo que tenho junto com o frio e um cobertor.
uma boa combinação, eu diria?
o frio faz com que eu me sinta vivo, porque vejo minha pele reagir. o cobertor aquece meus pés, para que eu não congele por completo. e tenho meu violão; junto com meu coração desafinado, tenho meu violão velho ao meu lado.
tenho uma música que fala muito de mim, e que diz o nada e o tudo profundamente. como se fossem um só.
combinação perfeita.
eu, o violão e meu coração partido.
×
para aqueles com coração desafinado, como um violão esquecido pelo quarto.
(na verdade isso surgiu do nada,
então pode não fazer sentido)