Prólogo

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Mahalta

     Saí de casa em direção a Kobe. Ao penhasco. Me ajuda desestressar, por razões que até hoje desconheço. 

     Minhas pernas dormentes e ainda meio moles por ter acabado de acordar tropeçam umas nas outras. Logo chego ao final da cidade, inspiro tentando colocar algum ar nos pulmões, pego impulso e começo a correr. Não demoro muito para chegar ao meu objetivo.

     A imensidão azul é a grande recompensa pelas pernas moles e doloridas e pelos pulmões que parecem pegar fogo a cada inspiro. Retiro os tênis e sento a beira do precipício, a sensação de paz é instantânea. O vento frio chicoteia minha pele, secando meu suor e relaxando meus músculos. Penso em tirar meu moletom amarelo, mas desisto depois de lembrar do corset em minha cintura. 

     O mar agitado choca-se contra as rochas a poucos metros abaixo, fazendo com que alguns respingos molhem meus pés. Algumas palmeiras começam a se movimentar furiosamente. Não irá demorar para chover, penso que é melhor ir para casa, contudo meus músculos ainda cansados me convencem do contrário, jogo meu tronco para trás deitando.

     Os primeiros pingos de chuva começam a cair e junto deles vem minha irmã mais nova, Melinoe, seu cheiro amadeirado com pimenta pinica meu nariz, ela anda como um rinoceronte, com longos passos e sem se importar em fazer barulho, impondo sua presença. Melinoe era um assunto problemático. Sua personalidade mudava constantemente, oscilando entre uma garota feliz e carinhosa e uma garota depressiva e agressiva, mesmo que na maior parte do tempo a balança pendesse para o lado mais negativo (principalmente nos últimos oito meses).

-Mamãe está preocupada, vamos. -diz olhando para meus olhos. Sua mão esquerda segura um guarda-chuva preto e a direita está enfiado no bolso do sobretudo marrom. Os olhos sem expressão são frequentemente escondidos pelos cabelos escuros, uma semelhança compartilhada.

-Ok. -levanto meu tronco e pego meus tênis os calçando.

-Não entendo por que sempre vem aqui. -diz sem tirar os olhos de mim, com uma voz neutra.

-Nem eu. -respondo a olhando, lhe ofereço um micro sorriso.

     Me levanto, e vou em direção a Kyoshina, porém Melinoe continua parada olhando o mar com um olhar perdido.

-Irmã. -a chamo.

-Sabe, algumas coisas vêm como uma dádiva, não acha Malta? -ela fecha o guarda-chuva e continua a olhar para frente. Não a respondo. -Lembra-se do que vovó sempre dizia? -virou-se para mim -"Se você tem medo, não o faça, mas se o está fazendo não tenha medo"

-Não há como não lembrar. Ela vivia repetindo isso, até o dia de sua morte. -não entendia a onde ela queria chegar, mas tinha conquistado minha curiosidade. Ela deu um passo em minha direção.

-Há muito venho aspirando algo, e dou meu sangue para isso, sabe Mahalta? Porém, apenas hoje pude perceber que não é o meu sangue que preciso dar. Espero que um dia possa me perdoar, mesmo que eu não me importe realmente.

     Não pude fazer muito. Melinoe retirou um punhal de dentro do guarda-chuva e antes de perceber o que iria acontecer ela apunhalou minha barriga, girando-o seguidamente. Tento afastá-la, mas minha irmã retira uma adaga do seu bolso e vem em minha direção. Removo o punhal de meu estômago e desvio da investida dela, tento segurar sua mão com a adaga, entretanto recebo uma cotovelada na ferida e acabo a soltando. A chuva, agora mais forte, faz com que a pedra fique escorregadia e um tombo foi inevitável, Melinoe sobe sobre mim e tenta desferir outra facada em mim, mas consigo segurar sua mão.

-O que está fazendo irmã? -questiono. Meu peito dói e a traição amarga minha boca.

-Estou fazendo o que deve ser feito! - uma pequena risada escapa pelos meus lábios. Não consigo enxergar muito. Talvez fossem minhas lágrimas ou as gotas, agora grossas, de chuva. 

     Eu mordo seu braço, sinto o gosto metálico em minha boca, me desvencilho dela e tento me levantar, mas a roupa pesada e o machucado não ajudam. Sinto um impacto enorme em meu peito, seguido de uma dor exorbitante em minhas costas, não consigo mais respirar e a última coisa que penso é o quanto ela cresceu. Tudo fica escuro.

Melinoe

     Nós não nos curvamos, não importa o que aconteça, como um alicerce deve ser. Todavia, precisamos ser flexíveis, como um bambu, para não conseguirem nos despedaçar até virarmos pó.

     O peso da coroa é cansativo e o preço dela alto.

     Não importa o quanto doa, o quanto suas entranhas se revirem ou como seus olhos insistem em desviar o olhar, há coisas que precisam ser feitas e o medo, o amor ou qualquer coisa que estiver no caminho deve ser jogado fora. Pois o fardo da realeza é pesado e não deve haver espaço para dúvidas.

     Não se preocupe, você estará em minha mente até o dia que eu morrer e se houver o além, você viverá em mim para todo sempre. Eu a amei, eu a amo e eu a amarei.

     Simplesmente eterno.

TragédiaOnde histórias criam vida. Descubra agora