É TARDE DEMAIS

Os olhos escuros de Jaime olhavam a cidade pela janela. No seu quarto escuro, sombras o rodeavam e sussurravam para ele, e seu olhar era frio e sem vida.

- Não sinto mais nada. É isso, acabou.

Eu o respondo com total peso.

- Não minta para seu coração, Jaime. Você ainda consegue continuar, é só uma...

- Fase?! - ele vira a cabeça e olha para mim e me encara com seus olhos escuros. Está perceptível sua mudança, tanto física, quando mental. - Estou cansado de as pessoas acharem que tudo é uma fase. Não é uma fase! Esse é meu último dia.

- Não fale assim, peça ajuda alguém pode te ajudar. Antes que seja tarde demais.

- Já é tarde demais. Não tenho mais nada, não sinto mais nada.

Lembrei do jovem que sorria, e era sempre alegre, e que tinha mil, e uns sonhos. Ou pelo menos era o que parecia. Como podia imaginar que uma pessoa tão sorridente, tivesse se despedaçando e morrendo lentamente?
Lembrei também que havia dias que ele ficava quieto na dele, e dizia que estava com dor. Agora entendo que a dor não era física, e sim, uma batalha a cada dia contra as sombras que dominavam sua cabeça. Queria ter ajudado, mas só conseguimos pensar em nós mesmos e no presente, e quando acontece algo, já é tarde demais, não é?

Mesmo assim, insisti.

- Peça ajuda, você tem chances ainda...não mergulhe na escuridão.

Uma lágrima desceu até bochecha dele.

- Eu sou a escuridão. É tarde demais...

- O que as pessoas fizeram, ou disseram, não fazem de você o que é. Eles não te definem.

- Não foi o que elas fizeram só que me quebrou. Foi o que não fizeram quando pedi ajuda, foi o que não fizeram quando eu entrei na sala de aula com os braços cortados, ou o que não fizeram quando cheguei aos meus pais e eles disseram: "É apenas uma fase..." . Mas acho que o que me quebrou mesmo foi terem dito que era apenas drama...

- Jaime...

-...foi isso que me fez ser levado para as sombras. Elas me acolheram e fizeram-me um cervo. Agora sairei do labirinto de sofrimento.

- Jaime, eu posso te ajudar, podemos passar por isso juntos e...

- Você não é real. - me encarou com olhar sombriamente.

- Sempre a luz ou uma esperança, mesmo que não pareça, há sempre uma luz.

- Eu à vejo, mas cansei de lutar.

A esperança dele havia acabado, eu havia acabado e ele havia acabado. É tarde demais.

- Como pretende acabar com tudo?

Ele ergue uma faca que tinha guardado na mochila.

- Jaime...- sou interrompido pela porta do quarto que se abre e imunda o quarto com luz dos outros cômodos.

A mãe de Jaime entra no quarto e tem uma breve conversa com ele sobre as péssimas notas na escola. Eu sinto um pingo de esperença por breves segundos. Até que chega há uma parte de conversa.

- Está tudo bem?

- Sim. Está tudo bem. - ele responde com um falso sorriso no rosto. A mãe não percebe, só responde:

- Okay, amanhã quero ter uma conversa mais séria com você, e seu pai. - ele acena com a cabeça e vê a mãe saindo, fechando a porta e deixando tudo escuro novamente.

As sombras o abraçam e o consomem. Elas levam ele. E agora...

É tarde demais.