Não sei quantos minutos fiquei ali deitado no chão, talvez dez, talvez vinte, só queria me recuperar fisicamente, me recuperar da humilhação. Depois de um tempo, me senti apto a levantar, me ergui com os braços e senti uma pontada na costela que fez os meus olhos marejarem. Estava com muito receio de tê-la quebrado.
Ouvi o barulho de um carro brecando logo atrás de mim, já estava receoso por mais más notícias:
— Ei! Garoto, você está bem?
Olhei para trás e avistei dois policiais, chegaram provavelmente com meia hora de atraso do ideal.
— Fui assaltado. — Respondi sentindo a minha costela latejar. Um dos policiais olhou para as ruas à frente, como se procurasse alguém.
— Faz quanto tempo isso? Você pode reconhecer o rosto deles?
— Eles já devem estar longe uma hora dessas.
— Ok. Venha, entre no carro, te levaremos até o hospital.
Enquanto entrava na viatura, vi de relance um livro jogado no chão. Rasgado e amassado, lá repousava uma obra de Clarice Lispector que nunca cheguei a dar de presente para a minha hóspede.
Por fim, não tinha nenhum ferimento grave, nem mesmo com a minha costela, apenas coloquei algumas ataduras. Minha mãe obviamente tomara um susto ao ver o seu filho chegando em casa completamente machucado, escoltado pela polícia. Contei-lhe a versão do assalto e depois de muita insistência, os convenci de que não era necessário fazer uma ocorrência. Subi para o meu quarto ansioso por um banho.
Sentia cada corte e vergão à medida que a água ia descendo pelo corpo, minha costela havia parado de latejar, mas ainda sentia dificuldade para respirar, não conseguia assimilar tudo o que havia acontecido, aliás, não consigo assimilar nada do que aconteceu por volta dos últimos cinco meses.
Contar para a Jéssica o ocorrido foi a parte mais difícil. Havia pensado em mentir e contar a versão do assalto para ela também, para poupá-la do estresse desnecessário, contudo acabei optando pela verdade. Ela ficou atônita olhando para mim como se não acreditasse no que ouvia. Por fim, sem fazer maiores comentários, foi até a cozinha e pegou um kit de primeiros socorros para trocar as minhas ataduras.
No dia seguinte, acordei no horário habitual de ir à escola, mas não encontrei Jéssica na cozinha tomando a sua xícara de café como sempre (ela não come mais de manhã devido aos enjoos). Também não a encontrei no quarto. Uma onda de preocupação perpassou a minha cabeça e não consegui me livrar da horrível sensação de déjà-vu.
No corredor encontrei a minha mãe carregando uma pilha de roupas para passar:
— Mãe. Você viu a Jéssica hoje?
— Ela saiu cedo. — Respondeu. — Avisou que iria voltar mais tarde hoje, mas não disse para onde foi.
— E você não perguntou?
— Não é da minha conta, Ick. Lembre-se que ela é só a nossa hóspede. — Onde ela poderia ter ido?
Jéssica não apareceu durante todo o período de aula. Poucas pessoas sentiam a sua falta, pois nos últimos meses a sua frequência escolar havia caído consideravelmente, essa era uma preocupação particular minha.
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A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)
JugendliteraturÍcaro tem 17 anos, joga futebol e é poeta. Ele esconde essa última característica dos amigos, é claro. Se descobrissem, a sua vida viraria um inferno, nunca o deixariam em paz! O seu pai lhe ensinou desde cedo que isso não é coisa de homem. Ao long...