Prólogo

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S/N

A ansiedade é uma característica natural do ser humano, que antecede certos momentos em que o cérebro entende como situações de perigo real ou imaginário. Ela também pode ser definida por aquela expectativa e impaciência antes de eventos muito aguardados por uma pessoa, normalmente aparecendo de forma mais branda.

Ansiedade, era o que corria em minhas veias no momento em que minha mãe desligou o telefone em completo desespero e lágrimas, com suas mãos tremendo e coração batendo tão rápido e intensamente que até eu pude ouvir. Eu estava na cozinha, com o meu vestido rosa repleto de babados na saia, um coque digno de uma bailarina e uma tiara de princesa que minha mãe havia comprado para essa data tão especial.

"Seu pai sofreu um acidente"

Tais palavras me deixaram em total crise. Naquele momento eu não pude respirar, não pude falar, não pude simplesmente me mexer, eu só queria que meu pai entrasse pela porta com aquele grande sorriso contagiante e gritasse – "surpresa!" – E assim comemoraríamos o meu aniversário de 10 anos comendo bolo, sorvete e assistindo meus desenhos preferidos.

Eu e meu pai somos muito apegados um ao outro, nós brincamos, fazemos piquenique todos os sábados, e principalmente, amamos música.

Eu e ele compomos músicas desde que eu me entendo por gente, mas uma música entre todas as outras se destaca para mim, uma que ele compôs no dia do meu aniversário de 5 anos.

"Lembre de mim"

Que virou minha música de ninar preferida.

– S/N? – ouço a voz do médico me chamar, me tirando dos meus devaneios e logo o encarando com o olhar vazio e triste.

Pude ver o olhar de pena do homem de jaleco, mesmo que ele mantivesse um sorriso terno em seu rosto, sei que pensava em como estava sendo muito sofrimento para uma garotinha de 10 anos passar pela morte do pai tão de repente.

– você pode me acompanhar por favor mocinha? Seu pai está á sua espera – ele questiona e estende sua mão para que eu a segurasse.

Assenti com a cabeça e o acompanhei até o quarto onde meu pai se encontrava com a minha mãe, cada passo que eu dava, a agonia e a tensão subiam gradativamente, me deixando nervosa.

Meu pai vai morrer?

Essa era a única pergunta que, naquele momento, pairava em minha mente, me fazendo soltar uma lágrima solitária. Quando chegamos na frente da porta branca com a plaquinha, indicando ser o quarto 134, o médico que me guiava abriu a porta lentamente dando espaço para eu entrar, dando um leve empurrãozinho como incentivo.

Assim que avistei meu pai deitado em uma maca de hospital e minha mãe ao seu lado, segurando firme em sua mão, comecei a cogitar a ideia de chorar, mas não chorei, eu seria forte tanto por ele quanto por mim.

– vou deixá-los a sós – falou o médico, fechando a porta em seguida.

Lentamente, me aproximei da maca e senti a ardência dos meus olhos, minha visão embaçada pelas lágrimas acumuladas enquanto observava meu pai em seu leito de vida.

– oi minha pequena – disse com sua voz fraca, não passando de um sussurro.

– oi pai, como você 'tá se sentindo? – questiono, com a voz embargada, prestes a soltar as lágrimas que não conseguia colocar para dentro.

– bem, agora que você está aqui – afirma, segurando em minha mão e me lançando um sorriso fraco, pude ouvir o baixo choro de minha mãe e isso me deixou a certeza de que esses seriam meus últimos momentos com o meu pai – feliz aniversário meu amor – ouço o mais velho falar e eu apenas nego com a cabeça, me negando a acreditar de que essa seria a última vez que comemoraria com o meu pai.

– não tem nada de feliz – sei que disse que seria forte, porém, vendo o meu pai prestes a me deixar dificultava tudo.

– meu amor não fica assim – acaricia minha bochecha, tentando inutilmente me acalmar – eu tenho um presente pra você – logo minha mãe se aproxima de mim e me entrega um colar.

Seu pingente era um violão junto a uma nota musical, banhado a ouro e com pequenas pedras de diamante incrustadas no mesmo. Era lindo e parecia tão caro, mas no momento era um objeto insignificante, poi9s nada mais importava se não meu pai deitado na maca em seu leito próximo.

– é lindo pai, mas eu queria que você ficasse bem, esse seria um ótimo presente. – falo sincera, enquanto segurava o colar em minha mão e soltava lágrimas teimosas.

Ele riu baixinho antes de me perguntar – pequena lembra da nossa música especial?

– claro – afirmo, enquanto sentia seu dedo polegar limpar minhas lágrimas – "Lembre de mim".

– Isso... essa música vai me manter perto de você, sempre que canta-la... – e logo entendo tudo isso como uma despedida – Eu te amo muito minha pequena, nunca se esqueça o amor que você tem pela música, nunca desista dela, lute pelos seus sonhos. Não importa quantos desafios vierem, seja forte, nunca tenha medo do futuro, assim como eu te ensinei.

– pai... por favor não me deixa – suplico em voz falha, sentindo minha mãe acariciar meus cabelos em um consolo silencioso.

– meu amor... – ele sorri terno, tentando mostrar que estava tudo bem – um dia todos vão...

– m-mas você não pode ir agora... por favor papai, não vai – falo já não conseguindo controlar as lágrimas que insistiam em cair.

E foi no momento mais doloroso na minha vida, em que ouvi a frase que por muitos anos me fez feliz, todas as vezes em que a ouvia, eu me sentia acolhida, amada, aceita. Eu ansiava a hora em que meu pai chegasse do trabalho e me dissesse as três palavras mais poderosas existentes na terra, palavras capazes de mudar uma pessoa, seu modo de pensar e de agir, palavras que faziam tanta diferença na vida de qualquer um.

– eu te amo S/N... – essas foram suas últimas palavras.

Meu pai soltou um longo suspiro e assim, sua mão já não segurava meu rosto, seu coração ja não batia e sua respiração já não era mais requisitada.

Meu pai se foi

continua...

oiie!

E voltamos com tudo amores!

a esquisita e o popular Onde histórias criam vida. Descubra agora