Embalos Numa Rede

Capítulo Único

Chinelos do Batman, samba canção de desenho animado, camisas brancas e Jeon Jungkook.

Cabelos lisos em ambos, os dele estavam bagunçados, ao contrário dos meus, que tinham uma escova correndo por entre os fios, em frente ao espelho. A samba canção cinza que adornava minha cintura possuía milhares de Jakes, do desenho "Hora de Aventura", e a larga camisa branca cobria até a popa de minha bunda.

Eu cantava "Crystal Snow" animada, ao ver as mechas recém-alisadas e tingidas balançando durante a pequena performance. Até fingia que a escova com estampa de oncinha cor-de-rosa era um microfone e tentava realizar alguns falsetes. Todos falhos, mas rendiam gargalhadas em ambos.

"Você é linda de qualquer jeito, mas fica radiante quando está de cabelo liso." ele dizia relaxado, com um sorriso frouxo, movimentando a rede vermelha num vai e vem calmo com sua perna direita. A esquerda estava dobrada, com o pé magro rente à coxa que se contraía com os movimentos. Seu braço direito servia de apoio à cabeça, que estava virada em minha direção. A mão esquerda segurava o celular que preenchia o cômodo com a música. Na varanda, o vento batia contra suas madeixas e o azul escuro do céu estava repleto de pontinhos brancos, era uma noite estrelada. "Você não parou quieta o dia inteiro... Deita aqui." seus olhos foram fechados, complementando sua calmaria.

Ele tinha razão, eu estava acordada desde cedo, nem tirei um cochilo. Meus olhos imploravam por descanso, miúdos e destacados atrás das lentes do óculos, mas eu recusava tal luxo e, mais uma vez, tentava escrever um capítulo de mais uma de minhas estórias.

"Não posso, Gguk..." falhamente, bocejei declarando meu cansaço. "Estou procrastinando há semanas..." sentei na enorme e engomada cama de casal, levando o notebook em meus braços.

"Amanhã você termina isso, vem aqui..." somente um de seus olhos foi aberto e o braço que apoiava sua cabeça, deitou-a lentamente sobre o tecido, logo chamando-me com movimentos repetitivos de abre e fecha com a mão de palma rosada.

"Tá bom, mas só um pouquinho." dei-me por vencida, afinal, resistir a ele nunca é uma escolha. Deixei o aparelho de lado e desci da cama, calçando meus chinelos com estampa do Batman para, em seguida, retirar a armação do óculos, dobrar as pernas finas e douradas deste e colocá-lo sobre o criado-mudo.

Caminhei em sua direção de maneira calma, observando sua posição despojada e sorriso fraco. Apoiei-me em uma das portas de vidro da varanda e ele desceu a outra perna para fora da rede de descanso. Desta vez, o vento também me atingiu, fazendo-me estremecer levemente. Vi os dedos do garoto deslizarem rapidamente sobre a tela do aparelho, logo uma música tão conhecida por nós começou a tocar.

"Você tá brincando, né?" comecei a rir no momento em que ele começou a cantá-la.

"Ô dengo, me fala tudo sobre o mundo..." Jeon cantava engraçado, com expressões brincalhonas.

"Vou te falar que você é uma comédia." ri fraco com o meu próprio trocadilho, aproximando-me devagarinho.

"Deixa eu lhe convencer que tu é o ser mais bonito que eu tive a sorte de conhecer." desta vez, proferiu normalmente e sua mão segurou a minha para, em seguida, virar-me de costas, puxando para si.

"Ô dengo, se tu prometer ficar, te canto todos os dias." sentei entre suas pernas compridas e apoiei minhas costas em seu tronco morno.

"Se você tentar fazer aquelas high notes de novo, eu te jogo daqui em dois tempos." ri de seu atrevimento e, por fim, deixei um tapa fraco em sua coxa coberta pela bermuda de algodão. A perna que antes impulsionava a rede voltou a ativa, embalando nossos corpos, preguiçosa.

Instintivamente, relaxei minha cabeça em seu peito, fechando os olhos e respirando com alívio.

"Dorme..." Jungkook deslizava sua palma em minhas madeixas, fazendo uma onda de lembranças me atingir.

"Vô César fazia esse mesmo carinho em mim..." a plenitude tomou posse de meu rosto, sendo expressa num sorriso. Puxei sua mão esquerda, comparando com a minha. "A mão dele é quente e grossa, a sua é grande e tem os dedos finos."

"A sua é muito pequena, Bia." riu diante a comparação."Como é que se fala? É tão gordinha que dá vontade de morder!" em meio as risadas, entrelacei nossas mãos e depositei um beijo casto na bochecha de meu amado. Com o balançar calmo, a canção bonita e o mesclar do vento frio com o calor que Jungkook emanava, voltei a aconchegar-me. A destra voltou para onde estava, fazendo um cafuné que me tirava bocejos constantes. Movi meu rosto em direção ao dele, para apreciar o olhar voltado para o contraste entre a escuridão noturna e o cenário urbano que nos cercava. Sempre achei as pintinhas de Jungkook mais atraentes que as estrelas, mesmo que, ao meu imaginar, ele carregasse um presente do universo consigo: a própria constelação de Virgo.

Não resisti e acariciei seu pescoço imaculado com o meu nariz gelado, inundando minhas narinas com o aroma de flor de maracujá. Um cheiro tão bom e, ao mesmo tempo, tão característico dele, que me fez encostar os lábios finos na tez arrepiada, num selar facilmente desfeito por um sorriso bobo, com o coração disparado, que bombeou todo o sangue existente para as minhas bochechas. Sentia-me em casa, confortável o suficiente para tirar os olhos do garoto de face também corada, para fechá-los e ressonar.

Sua risada fraca acompanhada da frase "Eu sabia que você cairia no sono rápido." foram as últimas percepções que tive antes de me entregar ao mundo dos sonhos.