Capítulo III

11 0 0
                                    

     Eu me encontrei perdida na floresta com as mãos trêmulas e lágrimas nos olhos. Ao meu lado meu irmão tinha as roupas cobertas de terra. Na nossa frente, junto a um imenso salgueiro duas covas rasas e os corpos dos nossos pais. Estávamos desobedecendo suas ordens, enterrando-os em solo profano. Não podíamos dar um enterro digno aos nossos progenitores devida as burocracias e investigações que envolveriam um suicídio duplo com uma carta suspeita em uma cidade pequena e extremamente religiosa que até poucos anos havia sido amaldiçoada por histórias de bruxas. Por carta, havíamos nos aconselhado com Alvo Dumbledore, nosso diretor que havia nos indicado que assim seria a melhor forma.

     Havíamos andado muito até aquele carvalho, ali a floresta era pouco menos densa e era possível ouvir o murmúrio de um rio próximo junto com o canto dos pássaros. Colhemos flores no jardim de casa e pelo caminho que percorremos na floresta que usamos para adornar o corpo de nosso pai e nossa mãe. Decorei os longos fios loiros da Sra. Skye com pálidas margaridas que combinavam com sua face, outrora tão rubra. Tinha belos lábios e grande par de olhos azuis como os nossos, que agora estavam fechados. Parecia dormir tranquila quando cobri as marcas em seu pescoço com um lenço florido. Sr. Skye tinha em sua face a expressão que jamais abandonou, nem mesmo no leito de sua morte. Uma máscara de frieza e desdém que era de certa forma muito útil quando se tratava dos seus negócios, mas que muitas vezes trouxe desavença em nosso lar. Porém, como já dito, era apenas uma máscara conveniente ao seu trabalho e quando ele se lembrava de tirá-la era um homem brincalhão e cuidadoso, que nunca abandonaria sua família. Até então.

     Imaginar meu irmão indo sozinho a este lugar onde dissemos adeus a tudo que conhecíamos como vida era assustador. Gostaria de estar com ele e novamente lhe segurar a mão, mas tudo o que eu tinha de pista sobre seu atual paradeiro era um jovem de cabelos sujos e nariz adunco cuja a presença eu jamais havia notado até aquele momento. Havia passado alguns dias desde a nossa conversa na masmorra e por mais que estivesse constantemente procurando ele as espreitas dos corredores ou após as aulas eu nunca o encontrava sem estar rodeado de pessoas. Ele parecia propositalmente se infiltrar em lugares cheios, evitando minha investida.

     Foi então que, numa noite daquela semana, me esgueirando pelos corredores da escola, encontrei Severo sozinho na saída do banheiro masculino. Estava pronta para afrontar e encher o garoto de perguntas, quando antes de mim chegam quatro garotos que, dessa vez eu conhecia.

      Potter era um garoto popular da grifinória com cabelos negros sempre cuidadosamente desarrumados. Ele tinha um ar inerentemente arrogante e vivia cercado pelos outros três colegas de casa: Black, Pettigrew e Lupin. O primeiro vinha de uma grande linhagem de bruxos, era o mais alto do grupo e tinha cabelos pelos ombros. O segundo, o mais baixinho, tinha olhos pequenos e úmidos e era nitidamente menos capaz e dotado de talentos que os demais. O último era aquele que me chamava mais atenção: seu rosto, apesar de jovem, parecia sempre cansado e com olheiras profundas, sua postura se diferenciava do seu líder: parecia sempre introvertido e não era incomum encontrá-lo lendo um livro. Edgar odiava os quatro, sem exceção.

Potter, como o líder do grupo, estava mais próximo de Severo que mantinha-se impassível como se não percebesse a presença cada vez mais próxima do grupo de jovens.

- Hey, seboso! - Disse Potter seguido com um coro de risadinhas - você foi lavar o cabelo ou esqueceu novamente?

- Cala boca, Potter. - Retrucou Severo em tom baixo, diferente da forma que havia falado comigo no outro dia, e deu mais dois passos antes de ser interrompido pelo grifano, que se pôs na sua frente, encurralando entre a parede.

      Potter, com uma força inesperada para alguém tão magro como ele, usou a mão esquerda para sufocar Severo, envolvendo os dedos magros ao redor do seu pescoço e levantando-o no ar, a varinha apontada para o rosto do garoto que balançava os pés tentando, em vão, alcançar o chão. Os outros garotos gargalhavam enquanto faziam piadinhas entre si.

- Sabe o que eu acho, Snape? Que quem ficaria ótimo de boca calada é você, quem sabe um feitiço resol...

- EXPELLIARMUS!

      Antes que eu pudesse me dar conta das minhas ações, a varinha já estava em punho e o feitiço na ponta da minha língua, um rojão azul explodiu lançando a varinha de Potter no ar e caindo há dez metros de distância. O garoto confuso largou Severo Snape no chão que pode enfim respirar e virou-se contra mim. A expressão em seu rosto estava entre raiva e vergonha, com um aceno de cabeça combinou sua saída constrangida com o seu grupo e passando por mim apenas virou o rosto com desdém, os outros o mesmo fizeram, com exceção de Lupin que muito, muito baixo sussurou algo que parecia ser um pedido de desculpas.

    Severo Snape, ainda com o rosto vermelho e se recuperando me olhou com indiferença.

-  Eu poderia sair dessa sozinho.

     Revirei os olhos.

- De nada, Snape.

     O garoto sorriu desajeitado e por um breve momento seu rosto cinzento se iluminou, no entanto logo sua expressão fria estava de volta.

- Bom, - ele começou - acho que te devo algumas explicações.

     O salão comunal da Sonserina é uma longa sala de pedras no subsolo da escola e suas janelas dão para as profundezas do Lago Negro, permitindo ouvir a água do lago bater contra elas de noite, e ocasionalmente, ver a lula gigante passar, o que sempre era um espetáculo. A masmorra gélida contava com duas lareiras que queimavam incessantemente no inverno e no verão, a decoração era de extrema sofisticação: grandes tapeçarias em suas paredes e sofás confortáveis de couro preto. Severo Snape estava sentado na minha frente em uma poltrona, nas suas mãos delicadas, o livro que eu havia incansavelmente tentado desvendar nos últimos meses.

- E então? -Perguntei com a voz impaciente - O que me diz?

- Definitivamente é esse livro que seu irmão me mostrou, mas ele não era assim... - Ele fez uma pausa curta, mas meus olhos questionadores o impulsionaram a falar - Como vou te explicar? Edgar passava bastante tempo na biblioteca, assim como eu. Não tínhamos uma amizade, mas compartilhamos do mesmo gosto por livros. Na noite em que ele sumiu, Edgar me mostrou esse livro, mas ele não era...Assim, negro. Tinha imagens, figuras e texto. Ele nunca me explicou o que gostaria de fazer, mas me disse que iria ir até uma floresta e que você saberia onde era. Pelo jeito que ele estava... Todo estranho. Imaginei que tinha algo haver com...

Ele fez uma pausa brusca e olhou para o chão demoradamente.

- Snape? 

-  Magia das Trevas, é claro. - Respondeu.

     Houve um silêncio, apenas o som do lago e da noite lá fora. Ah, o silêncio: uma linguagem que todos falam, mas que não somos capazes de ouvir. Um lugar onde todo o temor se encontra, onde somos forçados a confrontar nossos medos enterrados. Quando finalmente o quebrei, minhas palavras pareciam sem sentido e débeis.

- Não, ele jamais...

- Veja bem, Eleonora. - Ele pegou o livro em suas mãos e o folheou, mostrando as folhas negras - Qual outro tipo de magia ocultaria dessa forma as informações de um livro?

- Mas nós temos uma promessa, um acordo. - Minha voz parecia um lamento.

Snape respirou fundo e me fitou, desolado.

- Promessas...Elas se quebram.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Apr 18, 2019 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

O Mal Que Habita Em NósWhere stories live. Discover now