Sob a luz que era refletida pela lua, próximo a um criado mudo que servia de apoio a um candelabro de prata com três velas aromatizadas, Lia organizava suas vestes para o próximo dia em Poltan. Aquele aroma de jasmin a tranquilizava enquanto dobrava seu vestido branco e sua saia verde, e colocava seu corselete de couro sobre os lençóis da cama.
Subitamente, passos surgiram atrás de si, passos leves acompanhando o arrastar de tecido.
Não hesitando, Lia agarrou a tesoura jogada em sua cama, em meio às suas roupas e se virou em direção à nova sombra que pairava em seu quarto.
Com o susto, a dama de cabelos negros e pele clara como neve - comum na linhagem dos Lwongs -, deu um passo para trás, temerosa, levantando as mãos em defesa.
- Não quis assustá-la, mas a porta do quarto estivera aberta. - A jovem Lady Tyra abaixou as mãos com um vislumbre desculposo.
- Minha senhora, perdão.
Tyra arqueou uma sobrancelha, enquanto sentava-se no canto da cama de sua criada, como se estivesse analisando suas roupas.
-Creio que seja mais apropriado que eu peça desculpas. - Ela riu discretamente. - Onde aprendeu a usar um punhal, Lia?
A jovem moça parou por um instante de mexer em suas roupas, fez uma expressão de confusão e respondeu-a:
-Mas, senhora, não sei usar um punhal--
-Não minta mais para mim, criança. - A lady a cortou, imediatamente. -Você empunhou aquela adaga mais rápido que metade dos homens em minha guarda. Sei quando podem me matar.
Lia baixou a cabeça, dizendo:
-Perdão, Milady. Mas tudo o que aprendi foi com o meu pai, sem qualquer traço de profissionalidade.
Tyra, voltou a se levantar, dirigindo-se à varanda do quarto de sua criada. Próximo à grade que a separava de uma queda de mais de cinquenta metros para a Grande fonte, uma mesa discreta com entalhes de madeira apoiava uma jarra minúscula com uma taça próxima.
-Se importa?
Lia abanou a cabeça. Aquele vinho deveria ser para quando finalizasse seus preparos. Mas não negaria a quem lhe deu o vinho.
Enquanto a serva terminava de juntar suas vestes, sua Lady deliciava-se com seu saboroso vinho levemente ácido. Com a taça em mãos e a outra arrumando a dobra do vestido florido em sua barriga, Tyra voltou a se aproximar de Lia, caminhando atrás de sua serva.
-Imagina o que vim fazer aqui, não?
-Certamente não beber vinho dos servos e fazer perguntas retóricas.
Lia sentiu a tensão subir no ambiente, embora não tenha sido essa sua intenção. Ela percebeu então, o contraste de sua Lady, ao emitir um sorriso no rosto e cerrar o punho ao mesmo tempo, de maneira discreta.
-Você me diverte, mas tem razão. O motivo pelo qual vim visitá-la a esta hora da noite está relacionado à viagem que você me acompanhará.
Lia finalizou os preparos sobre sua cama e sentou do lado de sua senhora, desfazendo seu penteado, pois se aproximava a hora de seu descanso.
-Nossos preparativos devem estar prontos até amanhã após o dejejum. Vejo que já se adiantou, então poderá ficar livre até nossa partida para o nosso encontro com os Basfield. Creio que conheça o jovem Kali, não?
-Sim, senhora. – Lia pensou nas vezes que, com a corte de Hyalton, visitara os Basfield na pacata Yardam. Antes da queda da família, os seus habitantes eram calorosos e receptivos. Inclusive Kali Basfield, filho do falecido Lorde Frank, que também era um ótimo homem. Lembrava de brincar com o jovem Kali, Ahnmeri e Nya, enquanto Lady Eileen e Treviss passeavam com Sammuel e o mostravam a grandeza daquele lugar. Lembrava dos canteiros de flores e jardins espalhados no meio da cidade. Lembrava do Rio Doce que corria atrás do Palácio luxuoso dos Basfield e das árvores frutíferas que cresciam em seu leito, desde aceroleiras e pitangueiras à amoreiras e laranjais.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ruína do Sangue
Historical FictionFamília, honra e mentiras não serão empecilhos para chegar ao poder. Hyalton está a beira do colapso e a faísca da morte leva o nome Valkron às chamas da Revolução. Quando as máscaras da confederação caírem, Nya, Sam e Ahnmeri terão que descobrir q...