• Capítulo I • DEGUSTAÇÃO

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Music: Rag'n'Bone man - Human
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MARCAS NA ALMA

LION • Lionel Walker


Vozes agitadas chegam aos meus ouvidos. Tento abrir os olhos, porém, há muita areia no ar, algo molha o meu rosto e escorre pelos meus olhos, contribuindo para turvar a minha visão, atordoado volto a fechá-los. Meu corpo dói e parte da minha cabeça também, tenho que levantar e entender o que está acontecendo. Tudo parece bagunçado demais, desorientado, tento abrir os olhos novamente e consigo ver rostos turvos. Mas contra a minha vontade, a minha consciência se vai novamente.

Vejo o sorriso de uma criança, um abraço e então uma lágrima. Escuto a voz da criança ecoando em minha mente dizendo: Nós vamos para o mesmo céu?

Sinto dor e raiva de alguém. Remorso e culpa tomam-me de assalto, e ao mesmo tempo, estou sem qualquer esperança na humanidade.

Uma bola de basebol, rola próximo ao meu pé. Olhos negros nos olham a certa distância. Era longe, mas nem tanto, este foi meu erro. Frustrado permito-me gritar, em busca de extravasar toda a fúria e dor, mas não sai som algum da minha garganta, frustrando-me ainda mais. No fim, não tem mais ninguém e nem sequer rastro que um dia houve.

É como se tivesse sido apagado por Deus.

Deus... esse cara deve ser o maior sádico do mundo. Como ele permite isso?

Por que, Deus? Seu erro foi ter dado o livre arbítrio, seu erro foi ter criado Adão e Eva. Ainda dar este direito aos os seres nunca mereceram. Você que vê e sabe de tudo, sabe que apesar das pessoas pagarem pelos seus feitos, inocentes também sofrem com isso.

Simplesmente não parece se importar.

Ah! Que dor no meu braço. Estou me sentido tão pesado, preciso descansar. Sinto-me cair, como se o chão se abrisse sob meus pés, caindo em um profundo vazio. Caindo e caindo, meu corpo quer lutar, mas não consigo me mover. Como se meu corpo estivesse amarrado ou acorrentado em meio a um profundo breu.

Sinto um impacto forte, com uma dor que erradia por todo o corpo. E, de alguma forma vejo-me observando um chão branco. Compreendendo após alguns segundos, que estava sonhando. Mas ainda me pergunto até que ponto era sonho.

Ao tentar me levantar, não consigo. Olho para baixo com dificuldade e noto que estou amarrado. Tento me soltar, mas meu corpo, fraco e dolorido não contribui. Escuto passos e quando penso que terei ajuda, sinto alguém injetando algo em mim. A dor é familiar e a consequência dela também. Demora poucos segundos e então, minha vista escurece novamente.

Quando enfim volto a acordar e retomar minha consciência. Abro os olhos e vejo-me em uma cama. Ainda me vejo amarrado. Não é difícil reparar que estou em um quarto de enfermaria. Analiso onde estou, tentando compreender, não demoro a me recordar da bomba. Imagino que me tiraram de lá e estou na base central, longe da posição em que estava.

Olho para o lado em silêncio, a luz do dia ilumina o quarto pela janela gradeada. Ao longe e além dela, vejo o céu. Observa-lo um dia me trouxe paz, mas parece tão longe e inalcançável este tempo. Estranhamente não sinto nada neste momento. Seja, dor, tristeza, aflição ou felicidade. Nada. Como um casco vazio, em busca de qualquer coisa que me preencha, porém não parece existir nada capaz disso. E essa sensação é tão contraditória, que me deixa confuso. Nunca me senti assim e meu corpo sequer parece ser meu.

Escuto a porta ser aberta, uma enfermeira entra e assim que me vê acordado, ela sorri calidamente.

- Olá, Sr. Walker. Dormiu por um bom tempo, que bom que acordou - ela se aproxima, coloca a mão em minha testa checando a minha temperatura e no meu pulso meus batimentos. Após alguns segundos volta a falar. - Deve estar se sentindo grogue e apático, não precisa se preocupar. Seus sonhos foram muito agitados, e, o senhor talvez não saiba. Mas soldados ainda inconscientes continuam a lutar. Tivemos que o manter sob calmantes e antidepressivos para que pudéssemos tratá-lo e seus pontos não se abrissem, além do trauma que iria agravar sua condição. Embora tenha nos dado um susto, quando mesmo sob o efeito do calmante, conseguiu se agitar e cair da cama há uns dois dias.

INIGUALÁVEL | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora