Raízes (capítulo 1)

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A corsa dourada estava deitada no meio da campina, encolhida sobre um manto verde de capim. O tempo frio da noite estava sendo dissolvido pelos primeiros raios de sol, alcançando a corsa cintilante.

Abrindo os olhos cor de mel, a elegante corsa se espreguiçava, não se engane, era tão pequena quanto uma almofada. Se levantou, inspirando bem forte, olhou por entre as árvores, seguindo em direção, depois delas chegou em um campo enorme e contou exatamente 10 passos.

Terminando a contagem, viu surgir na sua frente um gigantesco portão, era banhado de ouro escuro, todo detalhado em círculos que se tornavam infinitos, completando em seu meio o rosto de leão

Vendo a imagem do leão se partir ao abrir o portão, continuou seu caminho, a mansão estava terminando de aparecer totalmente, o jardim pelo qual passava era extremamente colorido e bem cuidado, arbustos com desenhos de animais enfeitando o local. Parando novamente, estava na frente como um obstáculo, uma fonte de água, ornamentada em seu centro uma estatua de leão revestida a cobre.

Quem olhava bastante para aquela obra realista, tinha a real impressão, que o leão estava mesmo pulando para abater uma presa, contornando a por completo, avistou um pouco mais a frente os degraus que levavam para porta da grande Mansão.

Enquanto subia degrau por degrau sua forma ia mudando, a corsa dourada ia se transformando em uma pequena criança, ela que depois de totalmente transformada, estava um pouco desajeitada, com uma mão tentava segurar a barra do vestido vinho que usava para não tropeçar com o tecido nos próprios pés e com a outra tirava os cabelos assanhados que insistiam em cair em seu rosto.

Chegando em frente a porta que dava acesso a sala principal da Mansão exitou, recuou um pouco a mão pensando no possível puxão de orelha que levaria assim que entrasse, porém voltou a mão de volta a maçaneta na porta e girou.

Seu olhos dourados ficaram tão arregalados com a cena a sua frente que quase não acreditou no que via.

Geralmente é assim que ficamos quando vêmos alguém importante que não vinhamos a muito tempo.

👑

Era a terceira vez que ligava o rádio naquela noite.

Para os seus ouvidos aquele chiado era horroroso, mas naquela situação era a única coisa que o acalmava.

Pobre Pedro, seu pai tinha sido convocado para Guerra, uma grande Guerra, não tinha feito nem um dia completo que tinha se despedido dele e de seus irmãos com a esperança que voltaria logo e inteiro, queria ter se convencido dessa mesma esperança, mas se bem pudesse dizer, seu coração se encontrava bem no centro das suas mãos.

Afinal, se existe um local onde se podia acontecer a pior das coisas era na Guerra. E como Pedro tinha medo dela e o que a acompanhasse.

Mas não podia, não podia ter medo. Era o primogênito da família, o homem da casa enquanto seu pai não estava e o seu maior dever nesse mundo era cuidar e proteger da sua família até mesmo com sua própria vida se preciso. A palavra medo, na vida de Pedro e suas convicções, não deveria existir, e se existisse ele mesmo a apagaria.

Ouviu passos no corredor, rapidamente, desligou o rádio e guardou debaixo da cama, enronlando-se mais nos lençóis e fingindo dormir, ouviu a porta abrindo e alguém se aproximando. Era sua mãe, que vinha conferir todas as noites se seus filhos realmente tinham se recolhido para dormir, observou o rosto sereno e com as mãos trêmulas a dormir, deu um beijo em sua testa e foi embora.

Finalmente Pedro pode dormir.

👑
A menina correu em direção ao Leão que estava bem sentado no meio do Salão, queria toca-lo para vê se não estava ficando maluca.

Ora, lógico que não estava, seu pai, o Grande Criador estava bem ali na sua frente, apertava tão forte o corpo, quantas saudades sentia. A saudade também não era só dela, Além Mar sabia da dor no coração do Leão ao deixar a menina aos cuidado de um amigo, tinha tanto cuidado com ela.

"O que estava fazendo lá fora?", perguntou o leão logo após se separar do abraço. "É perigoso dormir ao ar livre a noite toda"

"Ora papai", a menina olhava para ele com seus olhos grandes e curiosos. "O animal mais perigoso que eu conheço, é você!" Ela riu, sendo acompanhada pela risada rouca do outro.

"Sabes que não me retrato a isso, não sabes?", perguntou novamente, agora com um tom mais sério, fazendo o semblante da menina mudar de um rosto feliz para um pouco abatida.

Iria se pronunciar, porém um barulho vindo de um dos quartos da enorme mansão a fez se calar, ambos olharam de onde vinha o som, e para a surpresa delas foram agraciados com uma cena, um tanto quanto, engraçada. O mago Coriakin, aquele que por uma punição, foi destinado a cuidar de uma ilha solitária onde vivia exóticos Tontópodes, estava vestido com um roupão de cor azul escuro, o rosto de extrema sonolência, parado no topo da escada, tentando disfarçar a surpresa causada pela visita inesperada.

Sua boca abriu diversas vezes como quem ponderava as palavras que proferia, mas foi interrompido pelas risadas dos dois que se encontravam no hall da Mansão, desistindo de manter sua pose também caiu na risada, descendo foi cumprimentar o Grande Criador, chamando eles para o desjejum.

Logo após de colocar as conversas em dia, subiram para uma das salas da biblioteca que ali existia, Aslam insistiu para que ele mostrasse em seu mapa como andava o cruel governo da Feiticeira Branca, em sua amada terra, mesmo a contragosto o mago foi adiante preparar a sala, enquanto o leão e a menina iam o acompanhando logo atrás.

Ao chegar na sala, ele estirou um grande tapete, que logo transformou-se em um mapa de extremo relevo, onde podia ver todo a extensão daquele mundo, parando sua mão em cima do destino escolhido, Nárnia. Era possível ver por cima de suas terras, nuvens grandes e densas todas carregadas de neve, era até difícil observar o que existia abaixo delas.

A menina olhava tudo aquilo com um olhar indecifrável, seus ombros estavam tensos mas sua feição era de determinação, o leão que a observava, sentia orgulho por ela compreender o seu futuro, mas resolveu se pronunciar.

"O tempo ainda não é chegado minha menina, ainda é preciso preparo e paciência" sua voz agora transmitia mansidão

Porém a menina não desviou seu olhar, continuou olhando para o mapa, era possível ver seus olhos brilharem como jóias douradas.

👑

A feiticeira abriu os olhos que estavam fechados apenas por uns minutos, olhou ao redor do seu salão feito de gelo, estava em seu trono feito do mesmo material. Estava tudo normal.

Mas aquela sensação de novo.

Aquela que queimava suas entranhas, como cobre sendo derretido em baldes.

Se recompôs em seu trono, gelado igual a sua alma.

Aquela sensação iria embora, mas o olhar que a perseguia continuará.

Um olhar com cor de Ouro.

A Rainha VerdadeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora