Terror noturno

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            Respirava lentamente, mas o coração batia rápido. Os olhos também vasculhavam toda a extensão do beco rapidamente, de uma ponta a outra. Pelo menos havia saídas. Não estava encurralada. Mas talvez isso não adiantasse de muita coisa. Quando o som se aproximasse, parecido com um pigarro rouco atingindo as partes inexploradas de seu cérebro, seria tarde demais. Mas ela iria lutar. Um desses filhos da puta não irá me levar sem lutar, pensou tão rápido quanto o coração batia.

Estava encostada no muro do beco ao lado do shopping e mesmo que ali fosse aberto o suficiente para ser vista, ainda era melhor do que seguir subindo e chegar até a grande avenida que cortava a cidade, ou descer e tentar se esconder nas áreas extremamente abertas da universidade. Haveria uma chance, ainda que pequena, de encontrar alguém lá, mas isso não era inteiramente bom. Pelo menos, não mais.

Descansou as costas na parede e observou o céu. Naquela época do ano, antes do anoitecer, a tarde se enchia de tons de laranja e rosa, refletindo nas nuvens e deixando tudo com uma cor mais quente e quase envelhecida. Era bonito. Olhou tudo ao redor, registrando as nuances de cor, de luz, de textura. O mundo ainda parecia bonito se você quisesse vê-lo dessa forma. Mas tudo poderia mudar num estalar de dedos e mesmo que você quisesse ver a beleza em qualquer coisa, não poderia. Na verdade, mesmo que fizesse um esforço, numa tentativa de ser mais positiva a respeito de tudo que aconteceu no mundo nos últimos meses, ela não conseguiria manter isso por muito tempo. Logo aquela positividade pareceria insípida, sem sentido e ela começaria a olhar para as escalas de cores no céu, que tinha achado tão bonitas poucos segundos antes, e aquilo pareceria primeiro sem sentido, e em seguida tomaria um ar terrível. Era assim agora: entre pólos, oscilando de um lado para o outro rapidamente.

Desde a noite do terror, ela lutava contra a vontade de se esconder, não que pretendesse escapar do sono, mas não iria desistir tão fácil. Pelo menos era o que ela gostava de acreditar. Ninguém tinha certeza ainda dos padrões dos saltadores, a única certeza é que eles viriam.

Assustou-se quando um carro passou pela avenida logo acima se arrastando e fazendo um barulho de algo que merecia ser consertado. Era estranho ver pessoas dirigindo tão devagar. Alguns se recusavam a desistir de sua vida e se render ao medo, mas a maior parte delas escolheu se esconder ou correr. Ela estava no meio desse caminho. Esticou o pescoço para tentar ver bem na hora em que o carro passou por seu campo de visão e teve a impressão de que não havia ninguém por trás do volante.

Olhou para o céu e calculou pouco menos de uma hora até o anoitecer. Não que estivesse mais segura durante o dia. Uma vez marcado, um saltador lhe encontraria onde quer que você estivesse, a qualquer hora do dia ou da noite. Mas a noite é sempre pior. A escuridão de nada ajuda. Eles não veem o mundo da mesma forma que nós. Eles seguem seus sonhos, era nisso que ela acreditava, mesmo que desde a noite do terror ela não tenha mais sonhado. Não importa. De alguma forma os sonhos estão lá e eles podem sentir. De alguma forma, eles lhe marcavam naquela primeira noite e seguiam seus sonhos, que você não tinha mais. Talvez eles os roubassem, se alimentassem disso, sugando tudo de você até não lhe restar mais nada a não ser você mesmo. E é aí que eles vêm correndo lhe buscar.

No final das contas talvez devesse se render e esperar. Pelo que contavam, nada impediria um saltador de encontrá-la. Mas não. Se um desses filhos da puta queria lhe conceder o sono, teria que lutar por isso. Riu. Mais uma vez, no meio do caminho. Claro que ninguém sabia ao certo o que acontecia. Mas de qualquer forma, pensar em resistir e em se render dava a ela algo com que se ocupar.

Algumas pessoas se juntavam e tentavam formar uma espécie de grupo de sobrevivência, mas para ela estar num lugar assim, junto de tantas pessoas, não era exatamente a melhor forma de escapar deles. Já estivera em um grupo assim, até que alguém fora atacado uma noite. Eles não deixam a presa escapar. Quando vêm lhe buscar, levam junto qualquer coisa ou qualquer um que esteja no caminho. Ela conseguiu escapar e decidiu estar sozinha a partir de então. Pelos seus cálculos, estar sozinha lhe dava mais chance de sobreviver.

Terror NoturnoWhere stories live. Discover now