PRÓLOGO

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Segunda semana da primavera.

Eu nunca havia visto Hugo me olhar com tanta fúria como naquele fatídico momento, seu olhar esbanjava ressentimento enquanto me encarava com o punho cerrado ao lado do corpo. Todas as pessoas que estavam ali, naquele campo a pouco tempo atrás já tinham partido, o que restava só nós dois no meio do gramado. Era noite mas os enormes refletores clareavam como o dia.

O silêncio era tamanho que eu podia até escutar os carros da rodovia principal de Portland, que ficava alguns quilômetros dali. O silêncio não podia ser comparado com os gritos que invadiam o gramado há poucos minutos antes, devido ao grande jogo entre o time da nossa escola e o da cidade vizinha. Foi um grande jogo aliás e acabamos por vencer de virada, eu estava na arquibancada torcendo junto com Alice e ela estava bem empolgada com o jogo, todos estavam, era a grande final, mas eu não, eu estava angustiado sentindo um grande remorso que andava me correndo como praga. Já faziam dois dias que eu estava fugindo de Hugo por não querer encará-lo e isso estava acabando comigo.

"Você precisa encarar as consequências dos seus atos Anthony, não adianta de nada fugir e você sabe disso" Alice tinha me alertado em uma de nossas conversas.

Eu sabia que tinha que enfrentá-lo, mas tinha receio das palavras que iriam sair da boca dele quando ele resolvesse falar e receio das que iam sair da minha também.

E quando todos desceram das arquibancadas para comemorar a vitória, Alice disse que estava esperando alguém e pediu que eu ficasse com ela até a tal pessoa chegar, eu não fazia ideia que era uma de suas armações, com seu jeito sedutor, Alice sabe mentir como ninguém, ela consegue fazer qualquer um acreditar no que ela quiser e mesmo eu a conhecendo tão bem eu ainda caio em seus artifícios. As pessoas começaram a irem embora com a intenção de comemorar em outro lugar e eu continuei ali, sentado com Alice, até seu celular apitar com a chegada de uma mensagem, ela leu e me puxou arquibancada abaixo, antes que eu pudesse perguntar o que estava fazendo meu corpo gelou ao ver aquele cabelo cor de café encaracolado, os olhos cor de mel e aquela pele levemente alva, no final da arquibancada. Conforme Alice me puxava e mais perto ficávamos eu pude ver que o rosto do garoto não expressava o sorriso que eu já tinha me acostumado ao longo dos anos, mas um semblante frio, se eu já estava me sentindo culpado antes, ao ver seu olhar me queimando com total repulsa e ressentimento, eu me odiei, me senti a pior pessoa do mundo e talvez eu realmente fosse.

Alice foi embora sem nem ao menos se despedir, me deixando parado em frente ao garoto, eu olhei para os lados na intenção de saber por onde era melhor eu ir embora, mas se fosse eu iria passar não só a noite, mas todos os dias me culpando ainda mais. Será que o que fiz pra ele já não era o bastante? Eu o magoei, quebrei sua confiança. Fiz algo que um amigo jamais deve fazer com o outro, porque antes de tudo, antes das minhas incertezas e das minhas confusões, nos éramos amigos.
Eu o humilhei, e isso não era algo que eu poderia mudar aquela altura. Lhe dei esperanças para quebrá-las na frente de vários alunos curiosos e perversos. Mesmo que eu tivesse me sentindo desconfortável com a atitude impensada de Hugo, eu poderia tê-lo puxado pra longe e resolvido de outra forma, mas não foi o que eu fiz.

— Porque você está fugindo de mim, Anthony? Medo, vergonha ou culpa? – ele soltou cada palavra com um grande desprezo que eu nunca ouvirá sair da sua boca, ainda mais direcionadas a mim.– Você não me procurou pra conversarmos e eu achei que no mínimo você faria isso.

Não consegui dizer nada, embora eu estivesse prendendo muita coisa dentro de mim.

— Você tem medo do que você é, quando na verdade deveria sentir orgulho, no final pra que se esconder e viver da maneira que a sociedade espera que você viva? Você se prende demais nisso e no final esses filhas da puta sequer se importam com você. Karl Marx já dizia que essa merda de sistema que a gente vive limita a liberdade individual. E é isso, eles querem que você viva sob as regras deles e você como a cadelinha que é, segue o que eles dizem ser o certo mesmo que isso custe sua felicidade e você tá cego demais pra ver.

Meu Amor Por Saturno | Em BreveOnde histórias criam vida. Descubra agora