Os dias parecem sempre os mesmo em Greenville. Os mesmas lojas, as mesma pessoas e o mesmo pão quentinho da padaria da Senhora Pearl, se é que ela é mesmo uma senhora. Por mais monótono que seja, eu ainda amo pertencer a este lugar, participar das mesmas partidas de boliche e beber toda sexta feira no bar do Joe.
- Vai acordar para vida quando, Peter Cruise?
- Mãe, eu acabei de alimentar os peixes. Eu posso ter um tempo para mim?
- Vai cortar a grama que já está nas alturas! Aproveite que é o seu dia de folga!
- Você só pode estar...
- Agora, Peter!
Eu odiava quando ela me olhava daquela forma, agressiva e autoritária, mas o que posso fazer? É a minha mãe. Quem a vê, nunca iria imaginar a fera que costuma ser, seus longos cachos dourados escondem muito mais que seu ódio por tudo aquilo que se mantém parado. Minha mãe é dona de um pequena loja de peixes, vende-se de todos os tipos, desde que seja de pequeno porte, mesmo que só os peixes dourados são os mais requisitados. Hoje é meu dia de folga da Lanchonete da Manses, trabalho lá como garçom. Manses assim como a minha mãe é uma baita coroa irritada com a vida e igualmente divorciada, a grande diferença é que meu pai foi embora porque encontrou outra mulher e o marido da Manses porque surtou e decidiu virar peregrino. Agora cá estou eu, limpando a grama e fazendo o papel de filho e marido da minha mãe, sendo tratado como adolescente quando eu já possuo vinte anos.
Nossa fazenda anda prosperando, conseguimos novas cabeças de gado para nossa pequena pecuária e mantemos nossa plantação de tulipas, iniciada pela minha Bisavó. Mesmo trabalhando na Manses a noite, me restava o dia para cuidar da fazenda e sobretudo da minha mãe.
- Peter, preciso que vá na cidade. Estamos sem tinta azul e eu não vou deixar a casa com duas cores.
- Mãe, eu comprei dois baldes ontem.
- Se fosse o suficiente eu não estaria mandando comprar, vá logo. E corta isso direito.
Bufei com uma súbita vontade de jogar os cortador de grama para ela e correr antes que ela me acertasse com uma pedra, mas retomei a si e percebi que não sou mais aquela criança que um dia fui. Saquei as chaves da minha caminhonete e fui a caminho do centro, rezando para a minha querida Joana não parasse no meio do caminho. O percurso da fazenda até a cidade era uma aventura, além de ser lamacento e úmido, tinha vários buracos causados pelas chuvas. Joana as vezes quebrava no meio do caminho e me restava apenas empurrar até o posto mais próximo, que de próxima não tinha nada.
Cheguei na cidade resplandecente, Joana conseguiu chegar intacta. Já de inicio me deparo com Aaron e Dustin, bebendo em frente a biblioteca como de costume. No ensino médio fazíamos sempre isso, como forma de demonstrar repúdio ao bibliotecário que sempre nos expulsava, mas os dois mantiveram a tradição mesmo depois que nos formamos. Deixei para conversar com os dois na volta e dirigi direto para a Loja de materiais de construção do Big Blake, um velho ranzinza que todo mundo adorava e ganhou esse adorável apelido por possuir quase dois metros de altura.
- Preciso de dois baldes de tinta azul turquesa.
- Vinte dólares.
- Comprei por quinze da última vez.
- Estamos no passado?
-Não.
-Então são vinte dólares.
- Isso é um absurdo, Big Blake.
- Então compre em outro lugar, aqui são vinte dólares.
- Não existe outro lugar.
- Não posso fazer nada por você, filho.
Comprei com muito ódio, mas não tinha muitas opções ou era isso ou na loja do Velho Bill, onde a maioria das coisas são antigas e algumas nem estão mais na validade. Big Blake mantinha seu comércio assim, sempre com novidades mas preços variando, ninguém nunca o contra-pôs e ele tinha uma clientela fiel apesar de tudo.
- Maria, vá buscar as tintas do rapaz.
- São quantas, pai?
- Dois baldes de tinta azul turquesa.
- Certo.
Eu não fazia ideia de quem era Maria, mas fiquei curioso quando a vi. Fiquei encantados com seus grandes olhos castanhos e cabelos cacheados. Sua pele cor de chocolate e seu sorriso encantador vinham em minha direção tão rápido que eu não pude admirar o suficiente. Peguei os baldes de que ela me entregava sorridente. Naquele momento eu me perguntava porque não me arrumei para vir ao centro da cidade, uma camisa polo e uma calça jeans de cinco anos atrás? Sério Peter? E minhas botas estavam cheias de lama, inclusive. Enquanto ela estava linda naquele vestido florido que revelavam as suas belas pernas.
Perguntei quase que instintivamente:
Você é filha do Big Blake?
Não, sou a sobrinha dele.
Para que quer saber, Cruise?
Nada, só achei estranho que um homem ranzinza como você pudesse ter uma filha.
Estranho é você olhar para Maria como se quisesse devorá-la. Vá embora, Cruise. Já comprou suas tintas.
E eu fui. Mas com um grande arrependimento de não ter pedido seu telefone, seu email, ou pelo menos seu sobrenome. Mas Greenville é pequena, eu ainda vou encontrá-la.
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Os pobres também amam.
RomanceOs pobres também amam se trata de um conjunto de histórias passada na cidade fictícia de Greenville na Carolina do Sul, uma cidade pacata e tranquila com cheiro de tabaco e cerveja barata. Onde o country é a música mais corriqueira e todo mundo se c...