Há dias eu vagava solitário entre as árvores da sombria floresta. Meu estômago doía de fome, resultado de um inverno rigoroso que afastava qualquer animal que poderia me saciar, por menor que fosse. Os pássaros não cantavam, se é que ainda havia pássaros vivos em seus ninhos. Não havia porcos selvagens, ou nem ao menos pequenos esquilos para me servir. A floresta inteira parecia morta.
Olhei para cima, para as folhas das árvores que impediam a luz de tocar o solo. Logo acima, um céu branco como leite, ornamentado por nuvens negras, indicavam uma breve tempestade. Me contorci e gani com a pontada de dor no estômago. Devido ao frio e a fome, não saberia de sobreviveria mais aquele dia.
Então, minhas orelhas se levantaram ao som de leves passos, e meu focinho sentiu um pequeno misto de aromas. O primeiro era de carne fresca, porém, humana. Eu não costumava caçar humanos. São tão vingativos e violentos que a morte de um humano por um lobo resultaria na minha morte certeira. O segundo cheiro era uma mistura de sabores: bolos, pães frescos, geleia, mel e uma garrafa de vinho.
De trás dos arbustos de folhas escuras, pude ver uma jovem garota, aparentando seus dezesseis ou dezessete anos. Tinha longos cabelos negros que caíam em uma trança sobre seu ombro direito, e usava um capuz vermelho sangue, caindo em uma capa sobre suas costas. Ela era linda. Sob as vestes era perceptível os seios firmes e recém formados, e as pernas delicadas. Carregava em seu braço uma cesta, onde todas aquelas delícias estavam guardadas, enquanto se abaixava para colher flores.
Não havia jeito. Como um mendigo, eu precisaria pedir um pouco de seu alimento para sobreviver ao inverno cruel. Mas, caso me aproximasse em forma de lobo, ela com certeza se assustaria, e correria, levando a cesta de doces. Forcei os músculos de meu corpo, tentando ao máximo minha transformação em humano. Mas a fraqueza, a fome, me impediam. Eu não passava de um lobo raquítico e faminto.
A garota da capa vermelha se aproximou do arbusto onde eu estava escondido para colher algumas flores.
- Bom dia, garotinha - eu disse com a voz rouca pela falta de uso.
Ela olhou para o arbusto, sem poder me ver. Não parecia assustada, apenas curiosa.
- Bom dia, senhora planta - ela respondeu.
- Não sou a planta.
A garota mexeu na trança negra.
- Então quem é você?
- Por favor, não se assuste.
Então saí das sombras das folhas escuras, me revelando. Talvez pelo meu tamanho exagerado para um lobo sobrenatural, ou pela baixa estatura da garota, mas seus olhos estavam alinhados com os meus.
- Eu não posso falar com você - ela disse, começando a caminhar a passos rápidos - Minha mãe disse que eu não posso falar com estranhos... Muito menos com lobos.
- Eu não quero conversar... Só quero...
- Não! - ela disse aumentando o volume da voz. Então virou as costas e começou a andar apressada.
Bati a para no chão, frustrado e ainda faminto. Olhei para baixo, observando as pequenas pegadas da garota, e pouco a frente, sobre a grama, um pedaço de papel dobrado. Me aproximei curioso, cutucando com as patas até o papel se abrir. Arregalei os olhos quando reparei que era um pequeno mapa em um papel amarelado, cujo destino final dizia "Casa da Vovó".
Era minha única chance de comer alguma coisa e sobreviver aquele inverno rigoroso. Caminhei rápido pela estrada que o mapa indicava, tendo como meu único companheiro o som dos meus passos sobre a terra úmida. Até chegar em uma pequena casa de madeira. Parecia aconchegante, com uma fina fumaça escapando pela chaminé, e as cortinas de algodão por dentro das janelas.
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O Desejo Do Lobo
Werewolf"O lobo sempre será mau se só ouvirmos Chapeuzinho Vermelho" Quantas vezes ouvimos essa frase? Quantas vezes focamos na pobre Chapeuzinho Vermelho, e esquecemos do sofrimento de um pobre lobo, faminto, cansado, e por que não, com tesão?