falling bird

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Ela caminhou sobre a borda do prédio, um pé atrás do outro e de braços abertos. Seu cabelo solto, bastante sujo, debatia-se contra seu rosto conforme o vento o jogava para frente e para trás. Seus dentes brancos expunham um largo sorriso, enquanto seu cabelo cobria os olhos chorosos.

Ela se jogou com a certeza de que suas asas surgiriam e o vento a engoliria. De fato suas asas se abriram, mas no final ela não sabia voar. O vento a engoliu por alguns segundos antes de entrega-la ao chão que a tragou por completo.

Falhei miseravelmente ao evitar ver a cena. O pingo de consciência berrando para eu virar a cara, olhar para cima, quem sabe, cerrar os olhos e imaginar uma outra imagem, uma imagem feliz no lugar do corpo encontrando o chão e aquela alma se despedindo sem saudade do corpo sofrido.

Como a fumaça de um cigarro a aparição que, no tempo em que estava presa na morte das pessoas, aprendi serem suas almas vendo seus corpos se auto denegrirem sem ter força de vontade para faze-lôs parar.

Os ferimentos que se faziam pareciam não ser nada perto dos machucados que durante sua vida atingiram até seu espírito, sua alma, seus sonhos.

Eu quis chorar.

Como nas outras vezes eu não tive tempo para pensar.

Novamente eu surgia, como o vento incolor para outros seres humanos, num novo ambiente, numa nova cidade, fadada a ver pessoas com um sofrimento semelhante sem poder fazer nada para amenizar sua dor.

O despertador vermelho ressoa para prontamente ser desarmado por uma mão bronzeada.

De cabelos bagunçados e uma trilha de baba no canto da boca a mulher se senta em sua cama.

Me aproximo sabendo que se nem se eu ficasse cara a cara ela me enxergaria. Fito seus olhos muídos pelo sono e nas orbes castanha avisto um vazio que petrifica meu ser. Estranhamente me acostumei com as cenas de morte, por mais terríveis que tenham sido, só não supero o olhar morto enquanto o corpo ainda está vivo.

Não tardou para sua alma, idêntica à sua imagem de carne e osso, aparecer confusa à meu lado.

Como das outras vezes desde que estou nessa situação infinita, enfrento as emoções da aparição reagindo a um ser desconhecido, no caso eu, invadindo sua casa, o pavor se multiplica quando a alma avista seu próprio corpo, passado o estupor maior, calmamente explico para a alma angustiada o pouco que sei, diferente das primeiras vezes, escolho não esconder o que vi nas vezes anteriores.

— Apareço minutos antes da pessoa abrir os olhos pela amanhã.— Explico calmamente para a mulher que chora copiosamente. — Uma cópia física da pessoa surge ao meu lado e assim como eu não pode ser vista pelos outros. Você é essa cópia.— Escolho compartilhar minha teoria. — Alma. - Os olhos vermelhos focam em meu rosto. — Eu acho que você é sua alma. - Vendo-a mais de perto consigo ver pequenas marcas de cortes superficiais por toda a pele que o pijama não tapa. Além dessas marcas o corpo físico e a alma de distinguem por outros detalhes como as bolsas roxeadas e profundas abaixo dos olhos, digna de um cansaço de várias noites sem dormir. Ela para de chorar e eu fico feliz, apesar de entender a gravidade da situação, nunca gostei de lágrimas. — Durante todo esse dia fico acompanhando a rotina do corpo físico e a alma me acompanha.— Suspiro me preparando para a última parte da história com final sem ser feliz. — E vou embora quando, por vários motivos que aconteceram por vários anos, a pessoa...Acaba.— Presto atenção em sua reação e ela arregala os olhos. — Se mata. - Não existe palavras que suavizem essa declaração.

Não presto atenção em outro canto naquela sala que não seu rosto.

Espero um grito de angústia, uma risada de alívio, na melhor das hipóteses um choro sofrido.

(don't say) goodbyeOnde histórias criam vida. Descubra agora